A Sã Doutrina

Mensagem do Cardeal D. Eugenio de Araújo Sales

Arcebispo Emérito da Arquidiocese do Rio de Janeiro

9/01/2004

  Sem dúvida, a previsão de São Paulo em sua II Carta a Timóteo (4,3) tem se realizado, muitas vezes, na história da Igreja. Em nossos dias pode ser constatada, com facilidade, a presença do que havia sido, tantos séculos atrás, objeto de orientação pastoral do Apóstolo a seu discípulo Timóteo: “Os homens (…) desejosos de ouvir novidades, escolherão para si uma multidão de mestres, ao sabor de suas paixões e hão de afastar os ouvidos da verdade, aplicando-os às fábulas”. Entre nós, com freqüência, ouvimos afirmativas que revelam o quanto é importante refletir sobre essa advertência de Paulo a Timóteo e como preservar a nossa fé católica.

A simples afirmativa de alguém que se diz membro integrante de nossa comunidade não é suficiente para prestar crédito a seus ensinamentos, nem mesmo o fato de ocupar posições na Igreja. E como saber onde está a verdade, como distinguir o erro, em assuntos de moral e disciplina, da doutrina autêntica frente a novas questões que surgem e nos interpelam? Ocorre, repetidas vezes, o fato de temas religiosos serem levianamente tratados por pessoas – mesmo com boa intenção – mas pouco versadas no verdadeiro ensino da Igreja. Desconhecem a Instituição fundada pelo Senhor Jesus ou – o que é mais grave – são contrários à mesma. O anticlericalismo é muito mais atuante, utilizando os meios de comunicação social, do que se pode pensar. Facilmente criam um clima hostil seus pronunciamentos e juízos quando emitidos por pessoas ignorantes em matéria religiosa mesmo sendo peritos em assuntos profanos. O prestígio de que gozam em decorrência de seu nível cultural em outros campos, agrava os erros em assuntos que desconhecem ou sobre os quais estão despreparados. Com freqüência, quando são apenas batizados ou alcançaram um nível primário sobre as diretrizes da Igreja, declaram-se “católicos” e, ao exporem suas idéias, por razões acima alegadas, provocam grande mal nos meios mediocremente conhecedores da Obra de Cristo. Um outro fato, altamente pernicioso, é a atmosfera permissiva que nos envolve. Ela facilita as modificações indevidas na disciplina eclesial. Tem-se a impressão de que Cristo estruturou sua obra à semelhança de um supermercado. Neste se entra e se escolhe o que bem agrada. Assim, esses nossos irmãos elaboram um novo credo, uma moral conveniente ao desejo de cada um e o rotulam de “católico”.

Nossa época sofre grande influência das correntes hostis ao cristianismo. Busca-se justificar o prazer, aceita-se o domínio do egoísmo, há uma liberdade sexual que destrói os princípios cristãos. É um mundo bem diverso dos ensinamentos de Cristo. Nosso Senhor havia previsto: “Se o mundo vos odeia, sabei que odiou a mim antes que a vós. Se fôsseis do mundo, o mundo vos amaria como sendo seus. Como, porém, não sois do mundo, mas do mundo vos escolhi, por isso o mundo vos odeia” (Jo 15,18-20).

A Igreja está presente na Humanidade para dar testemunho da verdade. O Espírito Santo a dirige. Pelo Magistério vivo, deixado por Jesus, aplica-se a diretriz ao momento histórico em que vive a comunidade. Goza de uma garantia: “Eis que estarei convosco até ao fim dos tempos. Ide e ensinai” (Mt 28,19-20). No cumprimento dessa ordem, a Igreja não procura agradar ao mundo, mas obedecer a Deus. E como a doutrina deve ser a mesma em todo o mundo, a ninguém é lícito selecionar o que julga ser o autêntico; devemos obedecer a quem recebeu o encargo de “apascentar o rebanho”. A 23 de novembro último, falando ao Episcopado belga em “visita ad limina”, afirmou João Paulo II: “Nossa responsabilidade episcopal consiste em fazer ouvir, com vigor e clarividência, o anúncio da salvação de Deus (…) numa sociedade que está a perder os seus pontos de referências tradicionais e que favorece de bom grado um relativismo generalizado em nome do pluralismo, o nosso dever primordial consiste em dar a conhecer Cristo, o seu Evangelho de paz e a nova luz que Ele faz brilhar sobre o destino dos homens”.

Alguns, impressionados pelo crescimento das seitas, perguntam se o Papa e os Bispos não deveriam adaptar a doutrina e a disciplina eclesial à mentalidade hodierna. E vem a defesa de concessões, já tantas vezes proclamada. Recordo-me que o compromisso é com a Verdade. E aí está a explicação de ter a Igreja superado em dois mil anos, todas as crises.

Nesse quadro, o que me parece ser o mais nocivo é o uso abusivo do nome de “católico” por pessoas que optaram por posições disciplinares e doutrinais à margem da legítima autoridade eclesial. Os ataques, caluniosos ou não, que partem de pessoas ou grupos ostensivamente contrários à Igreja, causam menor mal se comparados com os que se originam de quem se proclame membro de comunidade eclesial. Em um Congresso que se afirmava católico, realizado meses atrás, em Madri (Universidad Carlos III), chegaram à seguinte conclusão: “Hay que modificar esta Iglesia”. Na realidade é uma outra religião que propõem; insistem em aproveitar a força moral da Igreja Católica, subvertê-la, mas mantendo-se nela, pelo menos aparentemente.

Esse comportamento condenável encontra na firmeza de João Paulo II um obstáculo. Por isto, tentam afastar o Papa, alegando enfermidade e a idade avançada, mesmo ele permanecendo inteiramente lúcido.

De modo particular, em nossos dias, urge ser fiel ao Sucessor de Pedro, colocado por Deus, com a missão de “confirmar seus irmãos”. Seja qual for a opinião de quem dele diverge, mais vale obedecer ao Senhor, observando as diretrizes do Papa.

Em meio às opiniões divergentes, ouçamos a solene exortação de Paulo, em sua carta a Timóteo: “Conjuro-te, diante de Deus e de Jesus Cristo, que há de julgar os vivos e os mortos e em nome de Sua aparição, do Seu Reino: Prega a Palavra, insiste oportuna e inoportunamente, repreende, censura e exorta com bondade e doutrina. Porque virá tempo em que os homens já não suportarão a sã doutrina.” (2Tim 4,1-3).

 

Disponibilizado pela Arquidiocese do Rio de Janeiro

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