Dia Mundial do Enfermo

Mensagem do Cardeal D. Eugenio de Araújo Sales

Arcebispo Emérito da Arquidiocese do Rio de Janeiro

6/2/2004

 Há 150 anos atrás, no dia 8 de dezembro de 1854, o Bem-aventurado Pio IX, pela bula “Ineffabilis Deus”, declarou “revelado pelo Senhor o dogma de ter sido a beatíssima Virgem Maria preservada, em previsão dos méritos de Jesus Cristo, de toda mancha do pecado original, desde o primeiro instante de sua concepção”. A 11 de fevereiro de 1858, ocorreu em Lourdes, na França, a célebre aparição da Virgem que declarou: “Sou a Imaculada Conceição”. Essa localidade veio a se transformar em Santuário, um dos mais importantes centros de peregrinação em todo o mundo. São milhões as pessoas que ali buscam a saúde do corpo e da alma. A celebração litúrgica dessa ocorrência acontece a 11 de fevereiro. No mesmo dia se celebra a Jornada Mundial do Enfermo, instituída em 1993 pelo Papa João Paulo II. Em rodízio, é escolhido o local em um dos cinco Continentes. Em 2004, será Lourdes o centro para a solenidade mundial das celebrações e, evidentemente, ocorrerá algo de semelhante em inúmeras dioceses e paróquias. O Santo Padre enviou uma Mensagem ao Presidente do Conselho Pontifício para a Pastoral no Campo da Saúde, Monsenhor Javier Cardeal Lozano Barragán, que presidirá as comemorações.

 Nesse documento, o Papa, no exercício de seu Magistério para a Igreja em todo o universo, aborda diversos aspectos doutrinais e pastorais, relacionados com o enfermo. Diz ele: “Maria é a Mãe carinhosa que sai ao encontro das expectativas de seus filhos, obtendo para eles a saúde da alma e do corpo. Esta é a Mensagem que o Santuário de Lourdes apresenta constantemente a devotos e peregrinos”. Desde a aparição a Bernadette Soubirous, Nossa Senhora tem atendido a muitos que pedem a saúde do corpo. Contudo, afirma o Papa: “realizou prodígios muito mais surpreendentes no espírito dos fiéis, abrindo-lhes o encontro com seu Filho, Jesus, resposta autêntica às expectativas mais profundas do coração humano”. E acrescenta adiante: “quando não alcançam o dom da saúde corporal, podem receber sempre o bem muito mais importante: a conversão do coração, fonte da paz e alegria interior”.

 O Santo Padre trata, nesta oportunidade, do sofrimento humano, assunto de sua Carta Apostólica “Salvifici Doloris” sobre seu sentido cristão, onde observa que a dor “pertence à vicissitude histórica do homem, que tem que aprender a aceitá-la e a superá-la”. Aliás, João Paulo II dá ao mundo inteiro, extraordinário exemplo ao suportar, com paciência e resignação, a enfermidade que tanto o aflige. Assim, ele nos ensina que, na morte e ressurreição do Redentor, o sofrimento humano encontra seu significado mais profundo e seu valor salvífico. O Inocente no Gólgota carregou as culpas de toda criatura e ressalta o Papa: ”Unido a Cristo, o sofrimento humano se converte em meio de salvação”. Na Jornada Mundial do Enfermo tenhamos diante de nós as palavras de São Paulo na Epístola aos Colossenses (1, 24): “Agora eu me regozijo nos meus sofrimentos por vós e completo, na minha carne, o que falta das tribulações de Cristo pelo seu Corpo, que é a Igreja”.

 Embora seja superabundante a Redenção, Paulo se associa às dores por que passou Jesus. Nossas aflições, acolhidas com fé, se convertem numa porta para entrar no mistério redentor do Senhor. Maria, aos pés da Cruz, como o discípulo amado, realizou antecipadamente o que afirmaria São Paulo aos Colossenses. Destaca ainda o Papa nesta sua Carta Apostólica: “O Evangelho do sofrimento significa não apenas essa presença no Evangelho, como um dos temas da Boa Nova, mas também a revelação da força salvífica do sofrimento, na missão messiânica de Cristo e, em seguida, na missão e na vocação da Igreja”. Cristo não escondia a seus ouvintes a necessidade de suportar a dor: “Se alguém quer vir após mim (…) tome a sua cruz todos os dias e siga-me” (Lc 9,23). São Paulo nos alerta em sua 2ª Carta a Timóteo (3,12): “Todos aqueles que querem viver piedosamente em Jesus Cristo serão perseguidos”.

 Antes de terminar sua Mensagem para a Jornada Mundial do Enfermo em 2004, o Papa trata de um assunto da maior oportunidade. Refiro-me ao que está englobado na expressão “engenharia genética”. Dada a complexidade da matéria, vastos horizontes se abrem às soluções até há pouco desconhecidas. A ânsia pelo seu uso imediato não pode obscurecer o aspecto moral, que é o preço, mesmo elevado, a ser pago. Acresce o escândalo de católicos ao desrespeitar o Magistério Eclesiástico, e se alistar na campanha da morte de embriões em favor do bem-estar de enfermos. A Doutrina da Igreja é clara: “todo programa autêntico nesse campo não pode deixar de ser alentado, na condição de que respeite sempre o direito à dignidade da pessoa desde a concepção. Ninguém, de fato, pode aceitar a faculdade de destruir ou de manipular, de maneira indiscriminada, a vida do ser humano. Os agentes, no campo da Pastoral da Saúde, têm a tarefa específica de sensibilizar todos os que trabalham nesse delicado setor, para que se sintam comprometidos a colocar-se sempre a serviço da vida”. Prestarão severas contas a Deus, de modo particular os católicos, eclesiásticos ou leigos, que manipulam argumentos levando a conclusões errôneas e contrárias às diretrizes da Igreja nesta matéria”.

 Ao terminar seu documento, o Santo Padre confia à “Virgem Santíssima todo cristão, para que possa testemunhar que a única resposta autêntica à dor e à morte é Cristo”. Até ao final dos tempos o sofrimento será um companheiro inseparável do homem. Contudo, há profunda diferença entre uma perspectiva meramente humana e a união à Cruz do Redentor. A Jornada Mundial do Enfermo é uma oportunidade para aliviar a dor e torná-la fecunda para esta e a outra vida.


 

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