Aliança e ética

 

O cenário sócio-político, religioso-cultural e econômico no qual estamos todos inseridos, em razão de nossa cidadania, tem sido, ultimamente, emoldurado por deslizes éticos e morais gravíssimos, em diversas circunstâncias e envolvendo diferentes atores. Trata-se de algo tão grave que abala as respectivas instituições. Isto prova que a sociedade, embora acostumada a mensurar tudo quantitativamente, não pode prescindir do compromisso com a qualidade que inclui lisura ética, o sentido de solidariedade, compromisso com os pobres e compreensão da própria vida como serviço. Serviço entendido como definição e concretização da cidadania.

Há algum tempo, focando uma das dimensões importantes da vida cidadã, no caso a política, promoveu-se uma ampla campanha pela ética. Esta movimentação revelou a necessidade sempre atual de se recorrer à fonte de valores que deve balizar e redefinir parâmetros para a vivência cidadã, e no sentido de recuperar a sua insubstituível integridade. Esta integridade significa a garantia de controle sobre os riscos de relativismos e absolutismos que ferem mortalmente o sentido da vida e o funcionamento da sociedade.

Será exagerado dizer que o cenário atual, mais uma vez, e de modo mais global, está pedindo agora uma movimentação, ampla e específica, por um empenho de recuperação ética no funcionamento das relações sociais e interpessoais? Na verdade, a dinâmica que remete indivíduos e sociedades à fonte ética não pode ganhar, em tempo algum, uma certa trégua. Valores e princípios requerem de todos um reconhecimento referencial, em relação ao outro e ao totalmente Outro, Deus. Isto é, o mais importante está para além, está no outro. Opera-se aqui o processo que nos livra de tiranias e de sérias arbitrariedades que desfiguram e ferem.

Uma acurada análise, pois, do que está se passando no cenário global de nossa história atual, particularmente no contexto das relações internas de nossas sociedades, advogam a oportunidade de uma insistente movimentação em torno da ética. Parece oportuno o comprometimento de todas as instâncias constitutivas da sociedade neste empenho. É grande o risco da relativização ética, em todos os níveis, justificando absolutismos e, sobretudo, a adoção de soluções fáceis e até de caráter meramente material, quando as exigências são de caráter ético e na ordem do sentido.

Estamos em pleno tempo pascal. No centro do cenário se ilumina a figura de Cristo Jesus, Vivo e Ressuscitado. A vivência deste tempo, pela dinâmica da alegria, superando medos, cegueiras, distâncias, é um exercício para despertar a compreensão dos cristãos no sentido de renovar a Aliança. O conceito de Aliança, na fé do povo de Deus, no Antigo e no Novo Testamento, sublinha a dinâmica de um conhecimento que se funda na condição relacional do povo com seu Deus, e de Deus com o seu povo. A alegria é mais que um simples sentimento ou mera sensação de bem-estar. A alegria do tempo pascal, neste exercício que renova a Aliança, é a inserção na certeza da ação salvífica de Deus e na sua força amorosa e redentora.

A paixão, morte e ressurreição de Cristo constituem, para isso, o novo código da Aliança de Deus com seu povo e do povo com o seu Deus. Este código inclui incondicional capacidade de oferta de si, uma corajosa atitude de serviço, compromisso incondicional com a promoção da vida de todos, especialmente dos pobres e sofredores. Este é o contexto que gera e sustenta toda lisura ética, nos corrige de perversidades e indiferenças, e tem força de superar os venenosos individualismos ou mesmo partidarismos.

A movimentação ética necessária para importantes recuperações e recomposições no contexto atual da sociedade não pode ser um simples discurso. Menos ainda uma distribuição gratuita, estéril e repetitiva de invectivas. Na verdade, esta movimentação pela ética em todas as instâncias passa pelo viés da experiência. Esta não pode localizar-se, é claro, apenas nos balizamentos de certos subjetivismos. O tempo pascal, vivido de maneira exuberante na liturgia da Igreja e na sua catequese, compondo importantes trilhos de sua missão evangelizadora, dá direção e dinâmica a esta experiência. Ela se faz como encontro pessoal com o Cristo Vivo, no desabrochar da consciência da própria dignidade humana, gerando o compromisso de renovação da comunidade no exercício da cidadania como concretização do compromisso de colaborar na construção de uma sociedade justa, fraterna e solidária. Nesta experiência permanecerá sempre como horizonte o Reino de Deus.

Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo de Belo Horizonte


Disponibilizado pela Arquidiocese de Belo Horizonte MG

 

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