A CASA DAS DORES

"Dá esmola dos teus bens, não haja desgosto em teu olhar, quando deres esmola nunca desvies o rosto de um pobre e o rosto de Deus não se desviará de ti". (Tobias 4,7)

Sábado à tardinha, num cenário crepuscular, saímos a cumprir um dever de cidadão cristão. Meu marido, nosso amigo Edy e eu, nós três, professando a mesma fé, tiramos aquela tarde para conhecermos o trabalho realizado pelos jovens da Toca de Assis, numa casa situada no bairro de São Francisco, em Niterói, RJ.

A Toca de Assis foi fundada pelo Padre Roberto José Lettieri, natural da Mooca, São Paulo, que se converteu em 1983 em um encontro de jovens. Respondendo a um forte chamado de Jesus Sacramentado, doou-se inteiramente à Igreja, ingressando no seminário.

Ainda seminarista, juntamente com outros três companheiros que desejavam viver o carisma franciscano, fundou a Fraternidade de Aliança Toca de Assis.

No nosso bairro, funciona numa mansão luxuosa com granitos, mármores, madeiras, etc.

É alugada e a instituição depende de muita oração e ajuda dos irmãos para sua manutenção. Isso, sem falar nos doces e biscoitinhos que fazem em suas horas de lazer, para vender e colaborar com o orçamento. Essa casa do bairro de São Francisco é dirigida e conduzida por moças que iniciam suas tarefas diárias, antes do dia clarear.

Mas… Que casa é essa? Gostaria de saber o que pensam neste momento a respeito dessa casa, Nossa Senhora Mãe das Dores.

Pensem bem! Vamos ver quem vai acertar.

Ao iniciarmos nossa visita, entregamos um saco com frutas cítricas, do nosso sítio, e um fardo de açúcar para sucos.

Fomos convidados a tirar os sapatos e iniciarmos a visita pela Capela, que na realidade, são três salas. Uma saleta, a sacristia, onde guardam diversos objetos, como velas e castiçais, uma ante-sala, silenciosa e nua, tendo num canto apenas um pequeno móvel, de onde a Di, a meiga e bela jovem franciscana que nos guiou, retirou três almofadinhas, que distribuiu entre nós. Uma para cada um se ajoelhar. Não havia cadeiras na capela. E elas, não usam as almofadinhas das visitas, para dobrarem seus joelhos. Uma cortina separa a ante-sala, da capela propriamente dita. Na terceira e última sala da capela, encontramos o Santíssimo, onde fazem adoração permanente. Lá estava piedosamente, uma delas, usando uma enorme capa franciscana marrom, ajoelhada, em adoração. Não demonstrou tomar conhecimento da nossa presença diante da concentração.

De hora em hora, fazem rodízio, inclusive à madrugada inteira. O Santíssimo Sacramento está sempre acompanhado das moças piedosas que O adoram e O louvam, ininterruptamente. É adoração perpétua.

Preciso lhes dizer que a moça que nos recebeu, a Di, é muito gentil, amável, extremamente atenciosa e inteligente e dedica sua vida aos irmãos pobres e terminais. Ela nos informou sobre o funcionamento da casa com clareza e sem subterfúgios.

Acabei contando! A Casa Nossa Senhora Mãe das Dores é de acolhimento. Parabéns a quem acertou!

Conseguiram alugá-la, pois precisavam de muito espaço.

Elas recolhem mendigos doentes que vivem nas ruas, e ainda os que são abandonados nos hospitais pelas famílias.

É uma das suas missões: – Amar a Igreja de Deus, buscando no corpo místico de Nosso Grande Deus e Senhor Jesus Cristo seu Amado e dileto Esposo, aliviar seus sofrimentos nos pobres, sofredores e sofredoras de rua.

Fomos convidados a conhecer os habitantes da casa. Pessoas idosas. Doentes e muito doentes. Todos há muito, já perderam o viço e o frescor da pele, o brilho dos olhos e a nitidez da voz. E, pelo caminho da vida, deixaram esperanças, projetos, sonhos e entes queridos.

Semana passada dois deles, foram chamados por Deus.

Começamos por visitar um varandão lindo coberto pelo sombreado do arvoredo que circunda a casa, passarinhos cantando, sagüis, sendo apreciados pelas vovozinhas que ali estavam arrumadinhas e limpas em suas cadeiras de rodas, ouvindo os cantos dos pássaros e apreciando as peraltices dos sagüis. Enfim, vivendo, em plena harmonia com a natureza, com a dedicação e o tratamento que a Casa Nossa Senhora Mãe das Dores, oferece. Se não fosse paradoxal, eu diria que estavam felizes, com suas feridas bem tratadas, banhadas, limpas, cheirosas e bem alimentadas, além de medicadas e acariciadas.

Como o nome indica, a Casa Nossa Senhora Mãe das Dores abriga muito sofrimento. Dores físicas, dores morais, dores de abandono, dores saudosas do passado distante, dores da alma.

Seguimos ao primeiro quarto. Duas velhinhas magérrimas dormiam. A nossa guia Di, nos apresentou as duas: Dona Auta e a Dona Maria.

Eu vou preferir falar sobre a Dona Auta que acordou e me surpreendeu com sua lucidez na pele e no osso, além de força na voz clara, límpida e enérgica.

A Di nos confidenciou, que dona Auta, ou seja, aquele esqueletinho ali naquela cama estendido, era professora de latim e de música e que falava francês com fluência.

Eu, muito metida, me aproximei: Coment’ a llez vous? E ela, com a voz forte e clara, respondeu-me energicamente: Quê que é isso? Eu lhe respondi que a cumprimentava em francês e ela retrucou: Seu francês é ruim demais. Nunca vi igual. Eu morri de rir.

E eu com os meus botões: Não é que é mesmo?

Ela repetiu seu nome e completou: É Auta com “U”.

Já mais amável, procurando conversar, dona Auta, naquele momento, desfiou o seu rosário. Originária do sul do país. Seu pai era engenheiro civil e arquiteto, e com clareza pronunciou seu nome, Doutor Agnelo Silva. Na mãe, nem sequer tocou. Contou, resumidamente, talvez porque fosse muito dolorido lembrar toda a sua história, que quando moça foi estuprada e seu pai a expulsou de casa. Desse estupro nasceu um filho que com ela viveu, até pouco tempo atrás.

Pasmem! Dona Auta foi encaminhada por um hospital que a enviou, porque, embora ela esteja inteiramente sem forças para levantar seus ossinhos, ela precisava deixar a vaga para outro doente grave. Imaginem meus amigos, que essa professora de latim, foi encontrada por vizinhos, que sentiram sua falta, na maior promiscuidade em seu próprio quarto, em meio a fezes, urina, lixo, prostrada em sua cama com caramujos sugando-lhe o corpinho frágil, inclusive sua face.

Quanta tristeza! Só mesmo a Mãe das Dores pode receber e confortar pessoas como a professora de latim, num local de tanto carinho e zelo. Ela, que experimentou o desamparo, inteiramente amparada e amada. Dona Auta, como os demais pacientes, está gozando do conforto do verdadeiro colo da Mãe das Dores.

Sobre seu único filho, soubemos que hoje está com 57 anos, vai visitá-la às vezes e possui debilidade mental.

O amigo Edy conversou bastante com ela em frases franco-brasileiras.

Foi um momento de ternura e descontração para todos nós.

Gente! Cadê meu marido? Sumiu! Foi chorar escondido. Realmente a emoção é grande demais.

É amigos! Como é sofrida a vida dos nossos velhinhos. Dona Auta nos disse seu nome todo. É um nome grande e imponente, parece nome de princesa, nome de gente nobre, assim como ela, mas, prefiro preservar sua identidade.

Fiquei imaginando tanta coisa… Fiquei pensando nela moça, na sociedade. Lembrei da minha mocidade, como tudo era bonito, os salões de bailes, os bailes de formatura, as roupas luxuosas, vestidos próprios, luvas coloridas, jóias, flores, babados, rendas e sapatos forrados de cetim. Lembrei das minhas amigas, como eu, freqüentando belos lugares, teatros, audições de piano, e da minha especial colega de colégio e amiga inseparável Mariazinha Araújo, socialite, hoje com Alzheimer. Lembrei da época dos meus filhos, ainda recentemente…E hoje, meus netinhos.

Como será nosso futuro? Só Deus sabe!  E os revezes da vida? Ninguém pode evitá-los.

É difícil entender…

Como não estou aqui para entender, mas, para ajudar, mãos à obra. Continuei a visitar outros quartos e casos semelhantes se sucederam. Mais outros e afinal, terminamos.

Uma coisa eu observei. Todos têm em comum, o abandono de seus familiares. Na minha maneira de crer e de raciocinar quem despreza seus familiares, mesmo que sejam pobres, abandonam o Cristo. Será que estou certa?  Nós não encontramos o Cristo no preso, no mendigo, no pobre, no desprezado? Então? É muito sério, gente. Precisamos arregaçar as nossas mangas e ir à luta. Se não temos coragem para limpar feridas, vamos comprar gaze,  algodão, esparadrapo, leite, alimento, remédio, roupa, lençol,ou ajudar a pagar o aluguel. Vamos fazer uma horinha de companhia aos “hóspedes” dessas casas. Vamos conversar, colocá-los a exercitarem suas cabecinhas. As “moças” trabalham sem cessar. O tempo é pouco. Vamos com eles cantar, contar histórias felizes e engraçadas, enfim, dar-lhes carinho e atenção, quem sabe, uma hora por semana? Essa hora é uma hora de adoração ao Senhor.  

Mês passado deixaram de pagar o aluguel e quase foram despejadas. Mas, a providência não falhou. Assim tem sido. Muita oração, adoração e ação.

Vivem da providência divina, na certeza de que o Espírito Santo estará suprindo todas as necessidades e providenciando tudo o que é necessário para a realização do trabalho, através da ação e das boas obras das pessoas colaboradoras.

Na epístola de Tiago, capítulo 2, versículo 1 nos diz que a fé sem obras é inútil para a salvação. Portanto, vamos agir a exemplo de nossas irmãzinhas da Casa de Nossa Senhora Mãe das Dores ajudar de alguma forma a aliviar seus hóspedes das suas dores. E que dores! JMJ

“Quem ama a Deus ame também o seu irmão”.(1Jo4,19-21)

Toca Niterói

"Casa Nossa Senhora Mãe das Dores"

RUA TUPIS, 144, SÃO FRANCISCO

CEP 24360-400

Niterói – RJ

(21) 2611-2736

 

 

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