O SER ESPIRITUAL

O SER ESPIRITUAL

 

 

 

Perguntaram ao grupo de jovens católicos apinhados na salinha branca de uma comunidade carismática quem os tinha formado espiritualmente de forma mais intensa. A pregadora, experiente o suficiente para captar a realidade da platéia sob seu comando, teve a deliciosa idéia de conseguir as respostas jogando a esmo um bombonzinho de chocolate. Aquele que fosse alvo do doce seria o escolhido a responder e também jogar a outro, que também teria de responder. E assim foi, tendo surgido respostas das mais variadas, sendo citados mais freqüentemente os pais, os pastores de seus grupos ou uma ou outra pessoa ligada à vida escolar ou afetiva. Nesse meio, coube a um rapaz sentado um pouco à frente ser alvo do chocolate, e por isso mesmo, informar aos outros aquele que o tinha formado. Ele, entre envergonhado e assustado, soltou quase um sopro: “Nossa Senhora!”. Os outros, no momento, não se manifestaram, e o bombom continuou a voar de jovem em jovem até à conclusão obtida pela palestrante. Ao final da exposição, vieram as saraivadas: “Rapaz espiritual!”, “Sentindo cheiro de rosas na oração pessoal, hein!?” ou “Cuidado senão você levita”. O rapaz, consciente de haver dado a resposta mais sincera do mundo, ficou casmurro e encabulado, guardando em si a reflexão sobre o que acabara de manifestar. “Ora, bolas, mas foi ela mesmo… O que eu posso fazer?”

Da história acima, cabe uma reflexão ligeira a respeito da vida espiritual não só dos jovens mas de todas as pessoas que, pela experiência crucial com o Cristo ressuscitado e “ressuscitante”, aderem-se à sua receita de perdão e compaixão, vivenciando nas suas vidas a verdade que emana de seus ensinamentos. Aquele que se classifica como cristão é o que guarda para si todos os ensinamentos de Jesus, acalentando e praticando na vida cotidiana a sua essência e seus efeitos. O rapazinho, ao responder à pergunta formulada, sentiu a necessidade de expor, à luz dos ensinamentos passados por Deus em sua vida espiritual, aquele quem os havia transmitido mais apropriadamente a ponto de o fazer ser imitador do Pai, e ser cristão realmente. Dizendo “Nossa Senhora”, mostrou que, em sua vida, havia sido ela a mestra da sua caminhada rumo ao encontro Daquele que se doa total e amorosamente numa Cruz. Formar é reconstruir a própria identidade, pois o pecado nos aniquila aquilo que nos é próprio, que nos individualiza, para nos transformar em farsa, em cópia mal-acabada, retirando de nós a Graça que nos qualifica como filho no Filho de Deus. Torna-se, assim, sinônimo de restaurar a nossa humanidade pela intimidade com Deus, que não só nos qualifica como também traz o novo, o inédito, numa sempre constante declaração de amor.

Cabe, outrossim, destacar o que é realmente uma experiência de amor com Deus. Não entendendo o rapaz ou não percebendo exatamente aquilo que ele disse, os outros o julgaram “espiritual” demais, a ponto de se julgar formado pela Mãe de Jesus. Afinal de contas, o que é rezar? Na acepção mais clara da palavra, significa entrar em diálogo com Deus, transação e comunhão de vida que nos fornece o subsídio para a renovação proposta por Cristo. Ora, conhecer Cristo e partilhar com Ele é aprender a Graça onde ela se origina, e, dessa forma, nos tornarmos semelhantes à Trindade. O rapaz disse ter sido formado por Nossa Senhora pelo simples e grandioso fato de ela o ter feito semelhante ao Pai, na sintonia do Amor que é a oração. Isso, ao que se sabe, não cabe aos exageradamente espiritualizados (e, portanto, cegos à Graça), mas aos que se apequenam diante do transbordamento da Misericórdia. Se não se chega à intimidade de Deus e dos santos pela via da oração, então esse conceito se esvazia, falece. Faz-se necessário afirmar que amar é dialogar, e que através desse jogo de amor, estamos tão perto de Deus que nos deixamos abandonar na sua Sabedoria, a fim de sermos novamente filhos, pela exaltação de nossa humildade e pela assunção das nossas misérias.

Assim, não é espantoso dizer-se formado por Deus, haja vista que a formação é uma das maravilhosas conseqüências de nossa amizade com Ele. Não é sábio julgar que oração e vida de intimidade com o Pai são idéias em apartado, pois corre-se o risco delas desnaturarem, e ser estancado o caminho do crescimento. Ser formado por Jesus ou por um dos santos significa moldar-se a Deus pela via de santidade própria deles e objeto de devoção nossa, e aí reside, realmente, a sabedoria da perfeição de acordo com os ensinamentos de Cristo.

E quanto à formadora escolhida? Bem, é lícito imitarmos Dom Bosco: “É ela que tudo fez, é ela que tudo faz”. Em seus passos de silêncio, Maria Santíssima (ou, carinhosamente, Nossa Senhora, com a familiaridade dos seus amigos), percorre o caminho da cristandade, do gozo à dor, da dor à glória, restaurada pela luz Daquele que vive novamente e iluminada pelo Espírito que superabunda em si. Nela, a Igreja se vê refletida e deseja aprender essa gratuidade de amor e entrega filial ao Esposo, para assim chegar também à Glória. Amá-la e vivenciar o seu amor de filha, mãe e esposa, permite-nos alcançar a santidade pela via mais maravilhosa possível, dada por Cristo no ápice da sua paixão. Como os Padres da Igreja, aprendamos a rezar à “onipotência suplicante” para, de Cristo, receber abundantes graças. Quem não deseja isso?

 

 

BRENO GOMES FURTADO ALVES

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