Conhecendo a Bíblia, Palavra de Deus

– Revelação Natural

            “A grandeza de Deus supera todo conhecimento” (Jó 36,26). Aí está uma verdade: a grandeza e a magnitude de Deus é tão superior, tão forte, tão profunda, que nenhum conhecimento, nenhuma mente humana é capaz de compreendê-la. Mas o que fazer então, se o homem foi criado por Deus e para Deus? O homem necessita desse conhecimento, desse encontro. Um encontro com Deus significa conhecê-lo e vice versa. Como então poderia o homem atingir a Deus que “habita uma luz inacessível” (1Tm 6,16)?

            Com certeza, sozinho não chegaríamos a lugar nenhum no conhecimento das coisas de Deus.

            No Novo Testamento, em Atos dos Apóstolos 17,27-28 está escrito que tudo, toda a grandiosidade da natureza, foi feito para que os homens “buscassem a Deus e para ver se o descobririam, ainda que fosse às apalpadelas” e completa: “pois nele vivemos, nos movemos e existimos”. De fato, a vida do homem está em Deus. A realização do homem só é completa quando ele definitivamente participa da glória d’Aquele que o criou: “Apaixonar-se por Deus é o maior dos romances; procurá-lo, a maior aventura; encontrá-lo, a maior de todas as realizações” (Sto. Agostinho). E como disse São Lucas, o autor dos Atos dos Apóstolos, Deus fez tudo para que mesmo às apalpadelas, ou seja, mesmo sem conhecer muito bem, vendo quase nada, o homem pudesse ingressar na busca do seu Criador. Isso explica, por exemplo, porquê que em todas as civilizações, todas as culturas, todos os povos, se encontra uma religião. Não estamos discutindo agora qual religião, o que nos interessa agora é perceber que o ser humano é um ser que busca Deus, algumas vezes de maneira complicada, equivocada, “às apalpadelas” como disse o livro dos Atos.

            Essa busca natural do homem a Deus, é iniciada pela REVELAÇÃO NATURAL, ou seja, a partir da observância da grandeza e perfeição das coisas criadas, o homem pergunta-se: qual é a origem disto? E a partir daí, começa a perceber algo ou alguém muito superior que criou e governa tudo isso.

            A revista científica SUPER INTERESSANTE de Janeiro de 2001, traz uma reportagem de seis páginas tratando de um tema fora dos padrões normais da Ciência: Deus. Isso mesmo: cientistas falando de Deus. E o mais interessante, falando que a ciência já não consegue avançar, a não ser aceitando e acreditando em Deus. Diz a reportagem que um cientista americano chamado Allan Sandage – um dos astrônomos mais respeitados mundialmente, na época com 74 anos – considerava-se um ateu com todas as letras até os 50 anos. Mas acabou se convertendo ao cristianismo, pelo “simples desespero de não conseguir responder só com a razão a perguntas como ‘por que existe algo em vez de nada?” E ele continua explicando sua conversão: “Foram meu trabalho e minha pesquisa que levaram à conclusão de que o mundo é muito mais complicado do que pode ser explicado pela ciência. Só através do sobrenatural consigo entender o mistério da existência”. Esse homem foi “pego” pela REVELAÇÃO NATURAL, àquela que atinge a todos nós, todos os seres humanos. Pela obra, chegamos ao Autor. É como o Livro de Sabedoria capítulo 3, versículos de 3 a 5 nos diz: “Se  ficam fascinados com a beleza dessas coisas, a ponto de toma-las como Deuses, reconheçam o quanto está acima delas o Senhor, pois foi o autor da beleza que as criou. Se ficam maravilhados com o poder e a atividade dessas coisas, pensem então quanto mais poderoso é Aquele que as formou. Sim, porque a grandeza e a beleza das criaturas fazem, por comparação, contemplar o Autor delas.”

            Incrível: a ciência quanto mais avança, mais percebe uma Inteligência maior por trás de tudo.

             É através das perguntas Por quê? Quando? Como? De onde? Que a Revelação Natural age. O homem, às apalpadelas, vai devagar percebendo Deus.

            A reportagem ainda diz que a teoria mais aceita para explicar a origem do Universo – uma explosão de uma bola de energia, o Big Bang – tem sido usada pelos cientistas para mostrar que houve interesse e inteligência na criação de tudo, e não foi apenas um acontecimento casual. Começam a surgir perguntas como: “O que formou essa bola de energia?”, “O que havia antes? – sempre tem que haver um antes”. O cientista inglês Fred Hoyle, o mesmo que criou o nome “Big Bang” acha que é impossível o acaso criar um Universo tão complexo e perfeito: “Uma explosão num depósito do ferro-velho – diz ele – não faz com que pedaços de metal se juntem numa máquina poderosa, útil e funcional”.

            Esta é a Revelação Natural, Deus se revelando através de sua criação: “Pois aquilo que é possível conhecer de Deus foi manifestado aos homens; e foi o próprio Deus quem o manifestou. De fato, desde a criação do mundo, as perfeições invisíveis de Deus, tais como seu poder eterno e sua divindade, podem ser contempladas, através da inteligência, nas obras que ele realizou.” (Rm 1,19-20).

            Podemos por assim dizer, que “o homem é um ser religioso. Porque provém de Deus e para Ele caminha, o homem só vive uma vida plenamente humana se viver livremente a sua relação com Deus.” (Catecismo Católico § 44).

            Mediante todos esses pensamentos, chegamos a uma conclusão: o homem precisa de Deus para viver. Parece uma conclusão bem óbvia. Mas muitas pessoas dizem viver sem Ele. Hoje, cerca de treze milhões de pessoas dizem não acreditar em Deus. Isso é confuso, pois todos nós, inclusive esse grupo, buscamos a felicidade. E a felicidade só vem quando a criatura encontra o seu criador, pois para isso ela foi feita: “Quando eu estiver por inteiro a vós, não mais haverá dor e provação; repleta de vós por inteiro, minha vida será verdadeira” (Sto. Agostinho).

 

– Revelação Sobrenatural ou Divina

            Nos ensina o Catecismo da Igreja Católica, parágrafo 50: “Mediante a razão natural, o homem pode conhecer a Deus com certeza a partir de suas obras. Mas existe uma outra ordem de conhecimento, que o homem de modo algum pode atingir pelas suas próprias forças, a da Revelação divina”.

            A Revelação Natural, da qual o homem pode perceber a existência de Deus não deve ser vista como a Revelação total de Deus. Como já foi dito, ela está aí como prova aos homens da existência do seu Autor. Contemplando uma obra de arte, não conseguimos saber quase nada sobre o autor, apenas descobrimos que ele existe.

            Analisemos o que diz São Paulo em 1ª Timóteo 2,4: “Deus quer que todos os homens sejam salvos e cheguem ao conhecimento da Verdade”.  Perceba: Deus não quer apenas a salvação do homem, mas quer que o homem o conheça, e o conheça de verdade, profundamente. Logicamente, o homem, conforme já disse o Catecismo, jamais poderia atingir a esse conhecimento pelas suas próprias forças. Esse conhecimento teria que vir de cima para baixo, ou seja, de Deus para o homem. E o Catecismo continua no mesmo parágrafo: “Por uma decisão totalmente livre, Deus se revela e se doa ao homem. Fala a ele revelando o seu mistério, seu projeto benevolente, que concebeu desde toda a eternidade em Cristo em prol de todos os homens. Revela seu projeto enviando seu Filho bem-amado, nosso Senhor Jesus Cristo, e o Espírito Santo.”

            É o inverso da Revelação Natural: nesta, o homem pelo conhecimento das obras criadas, percebe o Senhor, e sai a sua procura. Do outro lado vem Deus, que conhece a pequenez humana e a impossibilidade do homem chegar ao conhecimento da Verdade sozinho e se Revela inteiramente, de modo integral, na REVELAÇÃO DIVINA.

            Desde a criação do mundo, passando pelos Profetas e pelas Alianças, Deus tem proposto um diálogo com o homem. Na sua liberdade de Deus, Ele se revela porque quer e aguarda a resposta do homem, que na sua liberdade de homem, responde com a fé ou com a incredulidade.

            Deus revelou-se a Noé, Abraão, Moisés e pelos profetas do Antigo Testamento. Mas a Revelação total e plena, àquela que o homem ansiava desde a sua criação, ainda estava por vir.

            “Quem conhece a fundo a vida íntima do homem é o espírito do homem que está dentro dele. Da mesma forma, só o Espírito de Deus conhece o que está em Deus” (1ª Cor 2,11). Somente pelo Espírito Santo, o Espírito que “sonda todas as coisas, até mesmo as profundidades de Deus” (1ª Cor 2,10), é que a Revelação definitiva poderia chegar. Por isso, o Filho de Deus, enviado ao mundo para salvar o homem, também veio trazendo a Revelação de Deus. Não é a toa que por diversas vezes vemos o Espírito Santo atuando sobre a vida de Jesus, como podemos perceber neste texto: “‘O Espírito do Senhor está sobre mim, porque ele me consagrou com a unção, para anunciar a Boa Notícia aos pobres; enviou-me para proclamar a libertação aos presos e aos cegos a recuperação da vista; para libertar os oprimidos, e para proclamar um ano de graça do Senhor’ Então Jesus começou a dizer-lhes: ‘Hoje se cumpriu essa passagem das Escrituras, que vocês acabam de ouvir’” (Lc 4,18-19.21).

            Jesus, o Verbo de Deus (Jo 1,1), veio revelar ao mundo quem é seu Pai:“Meu Pai entregou tudo a mim. Ninguém conhece o Filho, a não ser o Pai, e ninguém conhece o Pai, a não ser o Filho e aquele a quem o Filho quiser revelar” (Mt 11,27). E àquela Revelação que era exclusiva do povo de Israel, Jesus agora manda que seja “anunciada pelo mundo inteiro, como um testemunho para todas as nações” (Mt 24,14).

            Jesus encerra a Revelação Divina. Tudo o que Deus tinha para falar ao homem, revelou por meio de Jesus Cristo. Por isso, o cristianismo é uma religião sem igual: nas outras (Budismo, Hinduísmo, Islamismo e etc.), o homem é que vai a busca de seu Deus e o conhece. No cristianismo, os papéis se invertem: Deus não só veio até os homens, como “também assumiu uma carne como a deles” (Hb 2,14) e “teve que ser semelhante em tudo a seus irmãos” (Hb 2,17). Fazendo isso, Jesus coloca de novo o homem próximo a Deus e Deus próximo ao homem, apresentando um Deus mais misericordioso, pois, “justamente porque Jesus foi colocado à prova e porque sofreu pessoalmente, ele é capaz de vir em auxílio daqueles que estão sendo provados” (Hb 2,18).

            “Nos tempos antigos, muitas vezes e de muitos modos Deus falou aos antepassados por meio dos profetas. No período final em que estamos, falou a nós por meio do Filho” (Hb 1,1-2). Jesus representa o período final da Revelação. Nenhuma novidade mais será dita aos homens com relação à Revelação Divina.

            Assim, a Igreja pede cautela com as “revelações particulares”, que são aquelas visões e sonhos espetaculares envolvendo Nossa Senhora e até mesmo o Senhor Jesus. Essas revelações não pertencem ao Depósito da Fé, ou seja, o cristão não é obrigado a acreditar nelas, porém, é necessário ter o devido respeito, pois podem ser manifestações divinas. De todas as revelações particulares, a Igreja por enquanto não deu sua palavra final sobre nenhuma delas afirmando sua autenticidade. Algumas aparições possuem apenas um certo reconhecimento da Igreja, como Guadalupe (México, 1531), Lourdes (França, 1858) e Fátima (Portugal, 1917). Todavia, é necessário lembrar que nenhuma dessas revelações trará nada de novo, apenas nos ajudará a viver melhor a vontade de Deus. De modo algum poderemos aceitar revelações que venham corrigir ou completar a Revelação de Jesus Cristo, como é o caso de seitas recentes que se fundamentam em novas “revelações” que trazem novas doutrinas e espalham novas “verdades” por aí.

            Mas entendamos o seguinte: embora a Revelação Divina esteja terminada e nenhuma outra revelação deve ser esperada antes da volta de Jesus, ela não está completamente explicitada, ou seja, ainda não a exploramos por completo. Foi o que Jesus disse aos Apóstolos: “Ainda tenho muitas coisas para dizer, mas agora vocês não seriam capazes de suportar. Quando vier o Espírito da Verdade, ele encaminhará vocês para toda a verdade, porque o Espírito não falará em seu próprio nome, mas dirá o que escutou e anunciará para vocês as coisas que vão acontecer. O Espírito da Verdade manifestará a minha glória, porque ele vai receber daquilo que é meu, e o interpretará para vocês” (Jo 16,12-15). É como os astrônomos e astrofísicos que estudam o Universo: o Universo já está aí, prontinho. Tudo o que eles descobrirem não será novidade criada agora, quer dizer, mesmo antes da descoberta ser feita, a “novidade” já existia, só ainda não tinha sido explorada. Veja: podemos avançar no aprofundamento do que foi deixado por Jesus, mas nenhuma novidade ou correção fora do que Jesus disse ou fez poderá ser anunciada, pois se for, estará errada.

            Um exemplo prático disso tudo: Jesus deixou uma única Igreja na Terra (Mt 16,18), e quando voltou para o Pai prometeu dar plena assistência a ela (Mt 28,20) juntamente com o Espírito Santo (Jo 16,12-13). Com tantas garantias de Jesus, mesmo assim muitos dizem estar inspirados, ou que receberam “revelações” mostrando que esta Igreja está errada e aí fundam e organizam a sua própria religião, como é o caso de Maomé (Islamismo); Joseph Smith (Mórmons) e Allan Kardec (Espiritismo). Eu pergunto: será que Jesus Revelou que aconteceria isso com a Igreja que Ele deixou? Será que essas “revelações particulares” nos ajudam a viver melhor ou querem corrigir e completar a Revelação final deixada pelo Filho de Deus? Elas são dignas de confiança? Analise e dê as respostas você mesmo.

 

 

– O Início da Bíblia

Deus, se revelando desde a criação do mundo até a chegada de Jesus Cristo que completou a Revelação, fez com que o homem fosse formando sua história de vida, a sua experiência de fé. A partir da experiência de fé desse povo, começou a brotar a vontade de escrever. Escrever textos mostrando a experiência e a vivência da fé em Deus.

Todas as histórias antigas, contadas desde muito tempo e as atuais, começaram a ser escritas. Eram histórias contadas com a visão a partir da ação de Deus. Deus era o centro das histórias.

Foi assim que se começou a escrever a Bíblia.

E não pense você que ela foi escrita por apenas uma pessoa. Não. Ao contrário, ela foi escrita por um mutirão, durante mais de 1000 anos. Muito menos ache que ela foi escrita na ordem de livros que se encontra hoje. A Bíblia que conhecemos hoje, arrumadinha, com Antigo e Novo Testamento, 73 livros, 1333 capítulos e 35.723 versículos, foi resultado de um apanhado geral, com muito estudo e pesquisa, de tudo o que havia sido escrito na história do povo hebreu e início da era cristã. Por exemplo: qual foi a primeira parte escrita da Bíblia? Você pode me responder: a criação do mundo. Errado. O escrito bíblico considerado mais antigo é o Cântico de Débora que fica em Juízes 5,1-31 escrito por volta de 1010 anos antes de Cristo, ou seja, há mais de 3000 anos atrás, e está localizado muitíssimo depois da criação do mundo na arrumação da Bíblia.

Muitas vezes caímos no erro de achar que a medida em que os fatos iam acontecendo, tudo ia sendo escrito. Moisés abriu o Mar Vermelho, lá já estava um escritor anotando tudo. Jesus curou um doente e lá estava outro escritor. Errado. O que lemos na Bíblia, foi escrito muito tempo depois dos acontecimentos.

Para chegar até nós, os textos bíblicos passaram pelo seguinte processo:

fato vivido1àfato contado2àfato escrito3àfato copiado4

            1) O fato vivido: este foi o momento em que de fato houve o acontecimento. Jesus nasceu; o duelo de Davi e Golias; a crucificação; etc.

            2) O fato contado: como disse, os textos não foram imediatamente anotados logo após seus acontecimentos. Na Antigüidade, a escrita era uma arte muito difícil e cara, por isso, passaram-se anos, muitas vezes séculos, até que se escrevesse algo a respeito. Enquanto isso, essas histórias eram contadas de pai para filho, de geração em geração. Para facilitar a transmissão dos ensinamentos, sem que eles perdessem a fidelidade, os antigos primeiro exercitavam e disciplinavam a mente, e depois procuravam compor as sentenças de modo breve, ritmado ou cantante, o que facilitava muito a aprendizagem de cor. Era apenas a Tradição Oral, que existiu tanto no Antigo Testamento, como também no Novo Testamento.

            3) O fato escrito: aí sim, os fatos contados durante muito tempo, apenas na linguagem oral ganharam agora a linguagem escrita. E foram sendo escritos no decorrer dos anos, por várias pessoas diferentes, mas que tinham um só objetivo: mostrar a atuação de Deus na sua criação. Narram os apelos de Deus e as reações dos homens (indagações, queixas, louvor, ações de graça). Eram escritos em placas de tijolos, onde faziam a massa, escreviam e depois cozinhavam num forno para endurecer a massa e poder ser lido; em papiro, um material que é retirado das folhas das ciperáceas e em pergaminho, que é feito da pele de cabras, ovelhas ou outro animal que depois de raspada e polida servia de material para escrita. No Novo Testamento, por exemplo, o primeiro texto escrito foi a 1ª carta aos Tessalonicensses, por São Paulo, mais de vinte anos após a volta de Jesus para o Pai e o início da Igreja.

            4) E por fim, o fato copiado: logicamente, que o autor bíblico escreveu uma única vez cada texto. Porém, esses textos precisavam ser divulgados. Como a imprensa só foi inventada por Gutenberg 1468 anos depois de Cristo, o único jeito de se ter cópias da Bíblia, era com a cópia manual. Então, desde antes de Jesus, a Bíblia foi copiada e recopiada muitas vezes. Chegou a haver escolas de monges que viviam apenas para isso: copiar a Bíblia. Sentavam-se todos na sala e um ditava o texto enquanto todos copiavam. Tudo isso, para que todos pudessem ter acesso a Bíblia. Muitas vezes, a pessoa que estava copiando a Bíblia, não entendia o que o outro ditou, ou então, tentava dar uns retoques no texto, para ver se conseguia deixá-lo mais compreensível. Por isso, muitas vezes os textos apresentam vestígios das reações provocadas em seus leitores, com retoques, anotações e até reformulações mais ou menos importantes. Os livros mais recentes são por vezes reinterpretação e atualização de livros mais antigos (como, por exemplo, o livro de Crônicas que é a reestruturação do livro de Samuel e Reis). Isso fez com que o texto original sofresse intervenções, emendas e retoques durante todos esses milhares de anos, porém, sem perder o seu caráter sagrado e sua mensagem Revelada.

            Observando essa verdadeira maratona pela qual a Bíblia passou, podemos ficar tentados em dizer que a Bíblia tal como ela foi escrita não existe mais, que sua mensagem está modificada. Claro que não. Seria um erro dos mais graves se pensássemos assim. Os textos bíblicos atuais passaram por um grande estudo e exame. Como hoje em dia não existem mais os textos originais da Bíblia, os estudiosos do assunto vasculham todos os pergaminhos, papiros e placas de tijolos, de diferentes lugares do mundo, optando sempre pelos mais antigos. Fazem comparações; estudos e análises para descobrirem qual texto mais se aproximaria do original. A partir daí, eles montam as Bíblias que utilizamos hoje. São Bíblias completas, com informações importantes. Não é necessário temer uma distorção da verdade bíblica. Até porque a assistência do Espírito Santo é eficaz e real, e Ele não deixaria se perder a Verdade ensinada desde o início.

            Um exemplo dessa análise científica atrás do texto mais correto está em Atos dos Apóstolos 15,34. Em muitas traduções, esse versículo não existe. O que acontece, é que em vários escritos manuais antigos ele falta ou está incompleto e confuso.

            Tudo isso é muito importante saber para quem está disposto a iniciar um estudo da Bíblia. Saber que Deus se revelou ao homem e que o homem se pôs a escrever a história dessa Revelação nos ajuda a entender como Deus quer precisar do homem. Agora sabemos que a Bíblia é o registro da História de fé de um povo.

 

– Tradição

            São Paulo recomenda: “Guarde o bom depósito com o auxílio do Espírito Santo que habita em nós” (2ª Tm 1,14). São Paulo, grande Apóstolo, escreveu 13 cartas do Novo Testamento e é considerado juntamente com São Pedro – o 1º Papa – um dos pilares da Igreja. Ele faz uma recomendação interessante: Guardar o bom depósito. De que São Paulo falava?

            A Igreja de Jesus Cristo vem por esses mais de 20 séculos de História com essa missão. O Papa João Paulo II na Constituição Apostólica Fidei Depositum assinala: “Guardar o depósito da fé é a missão que o Senhor confiou à sua Igreja e que ela cumpre em todos os tempos”. A palavra “depósito”, que São Paulo utiliza neste versículo, no grego parathéke, era utilizado para indicar um tesouro confiado aos cuidados de um amigo que se obrigava a cuidar dele, sem utilizá-lo para seu bel-prazer.

            Toda essa comparação se refere a guardar a boa doutrina, a boa verdade, o bom ensinamento que vem sendo transmitido desde sempre, por Jesus, pelos Apóstolos e por todos aqueles que vieram depois deles.

            E a Igreja tem feito isso nos ensinando que existem duas fontes seguras da Verdade: a TRADIÇÃO ESCRITA (Bíblia) e a TRADIÇÃO ORAL (o que não foi escrito).

            A Igreja utiliza essas duas fontes venerando-as igualmente como Verdade Revelada.

            Porém, desde a sua separação em 1517, os protestantes liderados por Martinho Lutero abandonaram a Tradição Oral dizendo “Sola Escriptura” ou seja, “Somente a Escritura”! Desde então, todos os protestantes têm como única fonte e regra de fé a Bíblia e não aceitam nada que não tenha na Bíblia, negando todas as Verdades que estejam fora dela.

            Verifiquemos a partir de agora se há condições de ter a Bíblia como única fonte e regra de fé e abandonar toda a Tradição Oral como propõem os protestantes.

            Sabemos que Jesus não escreveu nada e também não consta que Ele tenha mandado escrever. A ordem dele foi para que os Apóstolos anunciassem ao mundo a Boa Nova, o Evangelho (Mc 16,15). E os Apóstolos saíram e foram anunciar. Sem se preocuparem com a escrita. Os Evangelhos, por exemplo, começaram a ser elaborados mais de trinta anos após essa ordem de Jesus. É bem fácil de se perceber que no início da Igreja, foi a Tradição Oral que exclusivamente orientou os cristãos. Claro, a Tradição Oral era prática freqüente na época. Aconteceu isso com o Antigo Testamento e também com o Novo.

            Contudo, quando começaram a escrever os textos cristãos que viriam a compor o Novo Testamento, nenhum dos autores teve a intenção de reunir ali todos os ensinamentos e acontecimentos que envolveram o Senhor Jesus e os Apóstolos. A própria Bíblia diz que ela mesma é incompleta, não contém toda a Verdade: “Jesus realizou diante dos discípulos muitos outros sinais que não estão escritos neste livro” (Jo 20,30) e também: “Jesus fez ainda muitas outras coisas. Se fossem escritas uma por uma, penso que não caberiam no mundo os livros que seriam escritos” (Jo 21,25).

            Mais do que isso são os testemunhos da própria Bíblia de que não se deve orientar-se somente por ela, mostrando que é necessário um outro conhecimento, uma outra fonte de fé. Perceba:

            1) A História de São Paulo é a seguinte: ele, antes chamado Saulo, era um judeu fervoroso e ferrenho perseguidor dos cristãos. Até que um dia numa viagem em que ia prender muitos cristãos, teve uma visão do Senhor e se converteu ao cristianismo, tornando-se um grande evangelizador, ganhando inclusive o título de Apóstolo. Porém, ele não conheceu e nem conviveu com Jesus. Tudo o que aprendeu foi por meio dos ensinamentos dos outros Apóstolos, pela Tradição Oral, pois também não havia ainda os Evangelhos escritos. Mas veja por quem São Paulo diz ter sido ensinado: “De fato, eu recebi pessoalmente do Senhor aquilo que transmiti para vocês” (1ª Cor 11,23). Ora, se São Paulo não conviveu e nem conheceu o Senhor, como pode dizer “recebi pessoalmente do Senhor”? Como já disse, São Paulo conheceu a Verdade através dos Apóstolos, pela Tradição Oral e com esse texto ele confirma o valor dessa Tradição que não está escrita, mas apenas falada, dizendo que foi o próprio Senhor quem o ensinou. Foi o Senhor mesmo, através dos Apóstolos, pois Jesus disse a eles: “Quem escuta vocês, escuta a mim, e quem rejeita vocês, rejeita a mim” (Lc 10,16).

            2) São Lucas, autor de um dos Evangelhos também não conheceu e nem conviveu com Jesus. Porém converteu-se ao cristianismo e escreveu um Evangelho. Ora, se São Lucas não conviveu com Jesus, de onde ele retirou todas as informações que necessitava para escrever o seu Evangelho? Da Tradição Oral, é claro.

            3) São Paulo ensina: “Por isso, irmãos, fiquem firmes e mantenham as tradições que lhes ensinamos de viva voz ou por meio de nossa carta” (2ª Tes 2,15). Notamos claramente que existem duas fontes: uma apenas falada (“viva voz”) e outra escrita (“nossa carta”).

            4) Em 1ª Cor 11,2 percebemos mais uma menção à Tradição Oral: “Eu elogio vocês, porque em todas as ocasiões se lembram de mim, e porque conservam as tradições conforme eu transmiti”, ora, é claro que ele as transmitiu oralmente, pois agradeceu por eles se lembrarem e por conservarem como ele transmitiu.

            5) Em 2ª Tm 1,13 está escrito: “Tome por modelo as sãs palavras que você ouviu de mim, com a fé e o amor que estão em Jesus Cristo”. Nem é necessário comentar.

            6) São Paulo ordena a Timóteo em 2ª Tm 2,2: “O que você ouviu de mim na presença de muitas testemunhas, transmita-o a homens de confiança que, por sua vez, estejam e grau de ensina-lo a outros” É perfeito, veja a Tradição Oral: Jesus à Os Apóstolos à São Paulo à Timóteoà Homens de confiança à Outros.

            7) Em 2ª Tes 2,5 São Paulo lembra aos fiéis de Tessalônica o seu ensinamento Oral de quando lá esteve: “Não se lembram de que eu já dizia essas coisas quando estava com vocês?”

            Com tantos argumentos assim, é praticamente impossível sustentar a tese de que a Bíblia é a única fonte de fé e que a Tradição Oral, tão respeitada pelos católicos, não é válida.

            Para um bom proveito da leitura da Bíblia é necessário o apoio da Tradição Oral, que a Igreja costuma chamar apenas de Tradição. Afinal de contas, a Tradição é mais antiga que a Bíblia, ela vem primeiro, para depois, sair dela mesma a Bíblia. Já que a Bíblia saiu da Tradição, é necessário ter a base da Tradição para se compreender a Bíblia. É insustentável a afirmação protestante de que só a Bíblia basta. Não tem cabimento. E isso fica mais claro quando estudamos os seguintes textos:

            1) São Pedro, o primeiro Papa, comenta sobre os escritos de São Paulo e alerta sobre o perigo da má interpretação: “Em todas as cartas de Paulo, ele fala disso. É verdade que nelas há alguns pontos difíceis de entender, que os ignorantes e vacilantes distorcem, como fazem com as demais Escrituras, para a sua própria perdição” (2ª Pe 3,15-16). Ora, se só a Bíblia bastasse, não haveria como errar na sua interpretação. Mas o que acontece é que a Bíblia não explica a si mesma, por isso a necessidade da interpretação apoiada na Tradição recebida dos Apóstolos.

            2) Em Atos dos Apóstolos vemos uma cena fantástica para o estudo da Tradição: um eunuco, funcionário da rainha dos etíopes estava lendo um texto do profeta Isaías. O Apóstolo Filipe perguntou a ele: “‘Você entende o que está lendo?’ O eunuco respondeu: ‘Como posso entender se ninguém me explica?’ Então convidou Filipe a subir e sentar-se junto a ele” (8,30-31). Se só a Bíblia basta, porque o eunuco, lendo a Bíblia, não chegou a uma conclusão sozinho? Ele precisou da Tradição Oral ensinada por Filipe para compreender a Escritura.

            Além do mais, devemos perguntar aos protestantes que dizem: “Só creio na Bíblia” que ele mostre onde na Bíblia está escrito isso: “Só creia na Bíblia”. Nem a palavra “Bíblia” está na Bíblia. Aliás, a palavra “Bíblia” não é encontrada em nenhum ponto dos textos sagrados. Ela vem do grego “biblos” que significa livro. Porém, ela não é um livro apenas, mas sim uma coleção de 73 livros, uma biblioteca. Por isso, “biblos” foi para o plural “BÍBLIA”. Portanto “Bíblia” quer dizer em grego: livros ou coleção de livros.

            Não há mais dúvidas. É fundamental a presença da Tradição para um bom aproveitamento da Bíblia. Por isso a Igreja é clara em afirmar que existem duas fontes de fé, que devem igualmente ser respeitadas e veneradas como Verdade Revelada: a Sagrada Escritura e a Tradição recebida dos Apóstolos. Uma completa e depende da outra. Ou nós guardamos a Bíblia e Tradição inteira ou nada guardamos da Verdade Revelada.

            Se a gente procurar nos documentos antigos vamos encontrar uma série de relatos a favor da Tradição. Veja: Papias, o bispo de Hierápolis na Ásia Menor, que viveu mais ou menos 130 anos depois de Cristo, apesar de contar com todos os livros da Bíblia em suas mãos, deixou escrito: “Caso viesse alguém que tivesse convivido com os presbíteros, eu procurava saber os ditos dos presbíteros, isto é, o que haviam ensinado André, Pedro, Filipe, Tomé, Tiago, João, Mateus ou outros discípulos do Senhor… Estava convencido de que da leitura dos livros não retiraria tanto proveito quanto da voz viva e permanente.”

            Santo Irineu, que viveu 220 anos depois de Cristo deixa um testemunho claríssimo: “Se os Apóstolos nada tivessem deixado escrito, deveria igualmente seguir a ordem da Tradição por eles confiada aos dirigentes da Igreja. Este método é seguido por muitos povos bárbaros que crêem em Cristo. Sem papel e tinta, estes trazem inscrita em seus corações a salvação por obra do Espírito Santo; conservam fielmente a antiga Tradição”.

            Evidentemente que grande parte dessa Tradição Oral foi sendo escrita no decorrer da História. Ela encontra-se principalmente nos livros dos Padres da Igreja, um grupo de sacerdotes-autores que viveu entre os anos 100 e 750 deixando uma riqueza sem igual para a doutrina católica. Esses escritos são conhecidos como Patrística. Nesse grupo encontramos autores como Santo Agostinho, Santo Ambrósio e São João Crisóstomo.

 

            Bem, aí você explica tudo isso sobre Tradição a alguém que não concorda com ela. O que essa pessoa faz? Concorda com você? Não. Manda você ler Marcos 7,1-13. E é isso que vamos fazer agora. Como o texto é um pouco longo, vou copiar apenas as partes mais importantes, mas depois é bom que você o leia na íntegra em sua Bíblia. Vamos, então, ao texto:

            “Os fariseus e alguns doutores da Lei vindos de Jerusalém se reuniram em volta de Jesus. Eles viram então que alguns discípulos comiam pão com mãos impuras, isto é, sem lavar as mãos. Os fariseus, assim como todos os judeus, seguem a tradição que receberam dos antigos: só comem depois de lavar bem as mãos. (…) E seguem muitos outros costumes que receberam por tradição(…) Os fariseus e os doutores da Lei perguntaram então a Jesus: ‘Por que os teus discípulos não seguem a tradição dos antigos?’ (…) Jesus respondeu: ‘Isaías profetizou bem sobre vocês, hipócritas (…) Vocês abandonam o mandamento de Deus para seguir a tradição dos homens.(…) Vocês são bastante espertos para deixar de lado o mandamento de Deus a fim de guardar as tradições de vocês. (…) Assim vocês esvaziam a Palavra de Deus com a tradição que vocês transmitem.’” É, parece que Jesus descarta de uma vez por todas a Tradição, certo? Errado! Existe a Tradição e tradições humanas. Jesus nesse texto não quer entrar no tema da Tradição como tal. Mas sim, desmascarar aqueles que o tentavam pôr em prova usando a  tradição deles como desculpa. Perceba: os fariseus e doutores da Lei, sempre estavam em busca de uma maneira de fazer Jesus se enrolar com suas próprias palavras. Pois bem, tentaram pegar Jesus dessa vez com a questão da tradição farisaica, que era uma verdadeira capa para encobrir as mazelas daqueles que a praticavam. Essa tradição é reprovada sim por Jesus, pois ela não traz benefícios nenhum ao espírito. É apenas um aglomerado de costumes e regras para escravizar o homem. Porém, o texto de nada serve para falar a respeito da Tradição Cristã, àquela que formou a Bíblia e a fé cristã no seu todo, defendida pela Igreja e pelos Apóstolos.

 

– Heresias

            Logicamente que no decorrer desses 2000 anos de História, por várias vezes apareceram pessoas (mesmo padres e bispos) que vinham com idéias obscuras e erradas, mas que diziam ter chegado a essa conclusão através do estudo da Bíblia e da Tradição. Eles negavam alguma Verdade em função da “verdade” que eles acabavam de encontrar. Damos o nome a isso de “heresia”.

            Como exemplo podemos ver o que aconteceu por volta do ano 315, quando Ário levantou a idéia de que Cristo não era Deus igual ao Pai, mas era apenas uma criatura de Deus (por sinal, tese bem parecida com a defendida pelos “Testemunhas de Jeová”). Essa heresia de Ário, conhecida como Arianismo, tomou uma dimensão muito grande: atraiu padres, bispos e convenceu praticamente 90% dos fiéis católicos, fazendo um estrago devastador na fé cristã daquela época. Mas em 325, foi realizado um Concílio, ou seja, uma reunião com todos os bispos e cardeais da Igreja que acontece para esclarecer algum ponto duvidoso da fé. E neste Concílio definiu-se: Cristo é Verdadeiro Deus e Verdadeiro Homem. Deus igual ao Pai e ao Espírito Santo. Pronto estava fechada a questão. Por muito pouco, a Igreja não adotou o Arianismo.

            Sabendo disso, a gente pergunta: como saber então se tal doutrina defendida pela Igreja é Verdade ou é fruto de má interpretação como no caso de Ário? Será que no meio da doutrina católica, da Tradição, muitos ensinamentos não estão impregnados de heresias? Inclusive este é um argumento protestante: a Igreja Católica caiu no erro no decorrer dos anos e hoje está longe da Palavra de Jesus! – dizem eles.

            Para resolver esta questão, devemos primeiramente recorrer ao texto de Mateus 16,18, onde Jesus, após ouvir a confissão de fé de Pedro, o coloca na liderança dos Apóstolos dizendo: “Você é feliz, Simão, filho de Jonas, porque não foi um ser humano que lhe revelou isso, mas o meu Pai que está no céu. Por isso eu lhe digo: Você é Pedro, e sobre essa pedra construirei a minha Igreja, e o poder da morte nunca poderá vencê-la. Eu lhe darei as chaves do Reino do Céu, e o que você ligar na terra será ligado no céu, e o que você desligar na terra será desligado no céu.” Jesus fez uma promessa: a Igreja dele nunca poderá ser vencida por nada de ruim, por nenhum erro, por nenhuma maldade. E promete mais ainda: “Eis que eu estarei convosco todos os dias, até o fim do mundo” (Mt 28,20). Jesus prometeu uma assistência permanente, um amparo até o fim dos tempos. Será que Jesus mudou de idéia? Não teve condições de sustentar aquilo que Ele disse? Não acredito. A Igreja de Jesus é imune sim a qualquer tipo de mentira, de enganação, de heresia. Senão, de que adiantaria Jesus ter feito tudo o que fez para deixar na terra uma obra ineficaz, que logo iria cair no erro? Não tem lógica pensarmos que a Igreja que Jesus fundou fracassou tempos depois. É antibíblico, é anti-cristão pensar assim.

            Logo após perceber a ação eficaz da assistência de Jesus sobre o seu rebanho, podemos verificar que sempre quando surgia ou surge um pensamento novo, a Igreja antes de declara-lo Verdade de fé, toma a seguinte posição: pede aos inovadores que demonstrem estar em contato com os Apóstolos através dos tempos e provem estar ensinando uma doutrina ou um pensamento que sempre foi ensinado e reconhecido pelos cristãos em geral e em todos os tempos. Assim disse Vicente de Lerins (450 d.C): “Na Igreja Católica, é preciso dar grande cuidado a que guardemos aquilo que em toda a parte, sempre e por todos tem sido acreditado”, ou seja, não existe novidade, tudo já foi dito por Jesus, há apenas um desdobramento, um desenvolvimento, desta realidade Revelada por Ele.

            Tomemos como exemplo o criticadíssimo dogma da Assunção de Maria. Quando a Igreja declara que alguma coisa é dogma de fé, significa que aquilo é Verdade plena, que não mais pode ser discutido ou corrigido e todo o católico é obrigado a crer, pois senão, não faz parte da fé da Igreja, não é um católico realmente.

            Pois bem, em 1950 (há pouco mais de 50 anos) o Papa Pio XII definiu como dogma de fé a subida de Maria aos céus de corpo e alma. Muitos podem dizer, como já disseram: “O Papa está inventando coisas. Isso não tem na Bíblia! Por que a Igreja só falou da Assunção de Maria ao céu mais de 1900 anos depois do acontecimento?”

            O que aconteceu aí, nada mais foi que o desenvolvimento da Revelação. Veja bem: a Igreja agora reconheceu e instituiu como Verdade de fé a Assunção de Maria, obrigatória a todo católico crer. Porém, desde muito tempo o povo cristão professou a fé neste acontecimento, pela Tradição. Para se ter uma idéia, desde o ano 300 já se comemorava a festa da subida aos céus de Nossa Senhora. E é também assim que a Igreja procede em qualquer outro caso.

            Percebeu? Não é uma novidade, algo que tenta corrigir ou modificar a Revelação deixada por Cristo, e sim um reconhecimento daquilo que já existia. Assim funciona a nossa Igreja.

 

– Formação do Cânon

            “Cânon” significa lista, catálogo. Já vimos todos os passos de como foi escrita a Bíblia. A partir de agora veremos por quem e de que maneira foi organizado o cânon dos livros sagrados.

            Para isso, primeiramente precisamos saber quem de fato é o autor da Bíblia. A Igreja de nosso Senhor nos ensina que existem dois autores: DEUS, que inspira, e o HOMEM que, inspirado, escreve. Isso São Pedro comprova: “Antes de mais nada, saibam disto: nenhuma profecia da Escritura provém de interpretação particular, pois a profecia jamais veio por vontade humana. Pelo contrário, conduzidos pelo Espírito Santo, os homens falaram como porta-vozes de Deus.” (2ª Pe 1,20-21).

            No entanto, é muito difícil afirmar quem é o homem pôs toda a inspiração de Deus nas páginas sagradas da Bíblia. Primeiro porque não foi um só, mas muitos homens. E vários desses autores ficaram para sempre no anonimato. Muitas vezes também, atribuía-se a autoria de determinados textos a alguma personalidade para que assim o texto ganhasse mais importância. É o caso do livro dos Provérbios: muitos dos ditos e versos ali contidos foram elaborados por sábios anciãos de Israel durante 550 anos. Contudo, ele é atribuído a Salomão, veja: “Provérbios de Salomão, filho de Davi e Rei de Israel” (Pr 1,1).Com certeza fizeram isso por causa da grande sabedoria possuída pelo rei Salomão.

            Assim, também ainda é uma incógnita saber quem foi o autor da carta aos Hebreus (que é atribuída a São Paulo, embora não seja) e trechos dos Evangelhos, como Mc 14,9-20 e Jo 7,53-8,1-11.

            Além disso, há escritos apostólicos que simplesmente desapareceram. Por exemplo: não se conhece qual é a carta de que São Paulo menciona aqui: “Em minha carta, escrevi para vocês não se relacionarem com gente imoral” (1º Cor 5,9). Muito menos se tem notícia de outra carta do Apóstolo Paulo, que foi remetida aos cristãos de Laodicéia, comentada em Cl 4,16: “Depois que vocês lerem esta carta, façam que seja lida também na igreja de Laodicéia. E vocês, leiam a carta de Laodicéia”.

            Um outro fato interessante sobre a redação bíblica é com relação aos Evangelhos. Os Evangelhos sinóticos, ou seja, os Evangelhos parecidos, que são Mateus, Marcos e Lucas, provavelmente foram escritos de trás para frente. Quer dizer, escreveram primeiramente a vida pública de Jesus, sua morte e ressurreição. Assim, como foi havendo crescente interesse pela vida do Salvador, resolveu-se então, escrever o início de sua vida, sua infância. Não é à toa que ao falar de Sua infância, os autores bíblicos são tão resumidos, pois já estavam muito distantes daquela época, e com certeza lhe faltavam informações maiores. São Lucas é o que mais fala na infância do Mestre. Como ele não conviveu e nem conheceu Jesus, acredita-se que ele tenha estado com Maria, e esta lhe tenha contado detalhes da infância de Jesus.

            Quando nós pegamos uma Bíblia, novinha e bem formatada, nem podemos imaginar que por trás dela tem tantos acontecimentos, não é? Todas essas informações são para nos fazer imaginar o trabalhão que teve àquela pessoa que se propôs arrumar a Bíblia e organizar os seus escritos. E quem foi esta pessoa?

            Na verdade não foi uma pessoa, mas um grupo de pessoas que trabalharam para a sua organização.

            No caso do Antigo Testamento, aconteceu o seguinte: todos livros e anotações com mensagens religiosas, escritos desde o tempo do Rei Davi (mais ou menos 1010 anos antes de Cristo), foram sendo guardados e restaurados durante séculos. Porém não havia nenhuma organização quanto à qualificação desses livros e escritos. Não se sabia muito bem quais eram os livros que possuíam a inspiração divina e quais eram apenas reflexões humanas, não havia uma decisão segura sobre isto. Até que no ano 70 antes de Cristo, um grupo de setenta sábios se reuniu em Alexandria a fim de pôr ordem nesta questão. E após muito tempo de estudo e dedicação chegaram à conclusão final: os livros inspirados por Deus eram 46. E a partir dali, todos os judeus se dirigiam apenas àqueles livros quando queriam ler algo de inspiração divina, algo sagrado. Esse cânon com 46 livros, que depois viria a ser chamado de Antigo Testamento, é o mesmo cânon utilizado por Jesus Cristo, pelos primeiros cristãos e conseqüentemente pela Igreja de Cristo. Existe ou outro cânon do Antigo Testamento com 39 livros. Esse cânon foi elaborado também pelos judeus mais de 100 anos depois de Cristo e por isso ele não foi utilizado por Cristo e assim, não poderia ter sido utilizado pela sua Igreja. Porém, os protestantes na sua divisão a partir de 1517, adotaram esse segundo cânon judeu em que faltam sete livros sagrados, sendo eles: Tobias, Judite, Sabedoria, Eclesiástico, Baruc, 1º e 2º Macabeus, e também partes do livro de Ester (10,4;16,24) e Daniel (3,24-90;13;14).

            Já a organização do NOVO TESTAMENTO se deu assim: os primeiros escritos cristãos começaram a aparecer mais ou menos vinte anos após a morte de Jesus. E como no caso do Antigo Testamento, foi-se tendo a dúvida sobre quais livros seriam realmente obra do Espírito Santo e quais não eram. Foi então que no ano 393, o Papa Damaso (37º Papa da História da Igreja) sentiu a necessidade de reunir e organizar os livros cristãos sagrados, assim como fizeram os setenta sábios em Alexandria. Então, reuniu um Concílio para definir este caso. Foi o Concílio de Cartago. E com o auxílio do Espírito Santo, o mesmo autor das Sagradas Escrituras, a Igreja Católica apresentou ao mundo o Novo Testamento, com 27 livros sagrados, tal qual nós conhecemos hoje. A partir de então, todos os cristãos passaram a venerar esses escritos como Letras Sagradas, tão importantes quanto o Antigo Testamento. No protestantismo, eles adotaram o mesmo cânon do Novo Testamento montado pela Igreja Católica e aprovado pelo Papa Dâmaso.

            Todos os outros livros que contavam também acontecimentos sagrados, tanto do Antigo como do Novo Testamento, que existiam na época das organizações bíblicas e ficaram de fora do cânon sagrado, são chamados pela Igreja de “Escritos Apócrifos”. Têm esse nome porque apócrifo significa “oculto”, “escondido”, “livro que não deve ser lido em assembléias públicas de culto”, ou seja, livros que não devem ser venerados como inspirados por Deus. Contudo, a piedade cristã nesses dois milênios tem aproveitado várias passagens importantes desses escritos que, embora não sendo de inspiração divina, são textos históricos e que ajudam a enriquecer a fé. Um exemplo é a 6ª estação da Via Sacra: “Verônica enxuga o rosto de Jesus”. Esta passagem não se encontra nas páginas dos livros inspirados, mas foi retirada dos escritos apócrifos, assim como a história de Joaquim e Ana, pais de Nossa Senhora.

            Uma pergunta, porém, me parece bem apropriada neste momento: Quem me garante que esses 73 livros, e só eles, têm autoridade divina? Quais critérios os setenta sábios e os bispos reunidos no Concílio de Cartago utilizaram para afirmarem a inspiração divina destes escritos?

             Desde sempre, esta foi uma pergunta difícil de responder com exatidão. Todos os critérios propostos para afirmar a inspiração divina dos livros sagrados possuem falhas, e não se pode dizer algo com certeza a partir de critérios duvidosos.

            Por exemplo, há o critério de se só aceitar um livro como sagrado se ele possuir perfeição em sua doutrina, encanto e despertar de atitudes piedosas. Esse critério à primeira vista parece correto, mas todas essas qualidades podem ser encontradas em qualquer livro religioso, inclusive nos livros não cristãos, como o “Alcorão” do Islamismo. Um outro critério utilizado é saber a autoria de cada texto. Se ele for escrito por um Profeta, um Apóstolo ou por um discípulo deles, é considerado inspirado. Critério que também é insuficiente para resolver a questão, pois, como já foi dito, não é fácil conhecer os verdadeiros autores de todas as passagens bíblicas.

            Assim como esses dois critérios que eu exemplifiquei, são todos os demais: nenhum possui a suficiência necessária para esclarecer a questão.

            Conseqüentemente, diante da carência de critérios seguros, não há outra maneira de se saber se um livro é inspirado ou não, senão pela Tradição. Sendo a Tradição anterior a Bíblia, é nela, pelos testemunhos dos fiéis de todos os tempos guiados pelo Espírito Santo, que vamos encontrar a resposta. Foi a Tradição que formou a Bíblia e é a Tradição que dá autoridade a ela. Sem Tradição não há Bíblia! Por isso fica cada vez mais claro que não se pode abandonar a Tradição e dizer que apenas se acredita na Bíblia. Ora, em nenhum texto bíblico está escrito os nomes dos livros sagrados, é a Tradição quem nos diz.

            Interessante, os protestantes dizem não seguir a Tradição, mas carregam para cima e para baixo o Livro que é fruto dela.

 

– Interpretação das Sagradas Letras

            “Quanto a você, permaneça firme naquilo que aprendeu e aceitou como certo; você sabe de quem o aprendeu. Desde a infância você conhece as Sagradas Escrituras; elas têm o poder de lhe comunicar a sabedoria que conduz à salvação pela fé em Jesus Cristo. Toda Escritura é inspirada por Deus e é útil para ensinar, para contestar, para corrigir, para educar na justiça, a fim de que o homem de Deus seja perfeito, preparado para toda boa obra. Rogo a você diante de Deus e de Jesus Cristo, que há de vir julgar os vivos e os mortos, pela sua manifestação e por seu Reino: proclame a Palavra, insista no tempo oportuno e inoportuno, advertindo, reprovando e aconselhando com toda paciência e doutrina. Pois vai chegar o tempo em que não se suportará mais a doutrina; pelo contrário, com a comichão de ouvir alguma coisa, os homens se rodearão de mestres a seu bel-prazer. Desviarão seus ouvidos da verdade e os orientarão para as fábulas. Quanto a você, seja sóbrio em tudo, suporte o sofrimento, faça o trabalho de um anunciador do Evangelho, realize plenamente o seu ministério” (2ª Tm 3,14-4,1-5).

            São Paulo estava inspiradíssimo no dia em que escreveu essa carta para Timóteo. Ele começa o texto recomendando que Timóteo continue na fé que ele “aprendeu e aceitou como certo”, pois Timóteo sabia “de quem o aprendeu”. Primeiro recado de Paulo: você sabe de quem aprendeu a sua fé? Timóteo havia aprendido de Paulo, grande Apóstolo. Nós, católicos aprendemos da Igreja que permanece no mundo deixada pelo Filho de Deus há 2000 anos. E os demais, sabem de quem aprenderam? Conhecem a origem de sua fé?

            Logo depois, São Paulo começa a falar da Bíblia dizendo que “toda Escritura é inspirada por Deus e é útil para ensinar, para contestar, para corrigir, para educar na justiça” e pede a Timóteo: “Proclame a Palavra, insista no tempo oportuno e inoportuno, advertindo, reprovando e aconselhando com toda paciência e doutrina”. E explica logo em seguida o motivo de seu apelo ao amigo Timóteo: “Pois vai chegar o tempo em que não se suportará mais a doutrina; pelo contrário, com a comichão de ouvir alguma coisa, os homens se rodearão de mestres a seu bel-prazer”.

            Esta foi uma profecia grandiosa de São Paulo. Veja se não é isto que acontece: os homens não querem mais seguir a Doutrina, querem ser “livres” e fazer o que acham melhor. Porém, precisam de Deus, precisam de sua Palavra. Então “com a comichão de ouvir alguma coisa” os homens se rodeiam “de mestres a seu bel-prazer”, trocam a sua igreja e a sua fé constantemente, procurando encontrar aquele pastor ou aquele líder espiritual que fale aquilo que ele quer ouvir, de acordo com seu bel-prazer. O homem agora pode moldar e produzir a sua “verdade” de acordo com a sua vontade. Se nesta Igreja a doutrina é algo para ser levado a sério, eu vou para aquela que não tem doutrina e que basta apenas crer para estar salvo.

            Toda essa problemática é causada principalmente pela interpretação errada da Bíblia. Lutero quando se separou da Igreja Católica e abandonou a Tradição disse que qualquer um tinha condições de interpretar a Palavra de Deus. Dizia Lutero: “Qualquer pessoa com a Bíblia na mão tem a mesma autoridade do Papa”, dando início ao famoso “livre exame”. Assim, deu abertura para que todos se tornassem “intérpretes” da Bíblia. A partir de então, o protestantismo se dividiu em milhares de igrejas pelo mundo inteiro, pois cada pastor, cada líder espiritual lê a Bíblia e a interpreta de sua maneira, criando “verdades” a partir do seu ponto de vista, esquecendo que o único ponto de vista que interessa é o do Autor, ou seja, do Senhor Deus.

            O tema central da Bíblia é a pessoa de Jesus Cristo: todas as histórias que a Bíblia conta nos preparam para Jesus: o Antigo Testamento mostra o povo a espera do Messias que vem e o Novo Testamento mostra o cumprimento da promessa de Deus com a chegada do Salvador e a obra que Ele fez. Porém, saber isso apenas não basta para entendermos a Bíblia.

            Uma interpretação verdadeira da Bíblia, de onde se possa retirar as Verdades Reveladas, não é tão simples e tão fácil de se fazer. Para detectar toda sua riqueza, é preciso levar em consideração o contexto de toda a Bíblia e da vida das comunidades onde foi escrito cada texto. Se for carta, como as de São Paulo, é necessário conhecer um pouco do destinatário, saber quais eram suas dúvidas e necessidades para entender o que o Apóstolo fala.

            Isto explica por que, muitas vezes, é difícil para o homem de hoje compreender plenamente a Bíblia. Entre ela e o leitor de hoje se colocam vários obstáculos a serem conhecidos e vencidos: precisa-se conhecer bem a cultura antiga daquele povo e as crenças que existiam numa época em que a ciência e a medicina eram muito empobrecidas. Além disso, é importante conhecer o estilo do texto que está sendo lido: saber se ele é histórico, poético, profético ou carta é fundamental para encontrar a verdadeira intenção do autor. Afinal, na Bíblia não encontramos apenas doutrina sobre Deus, mas também histórias, profecias, cânticos, lamentações, sermões, meditações, filosofia, romances, biografias, genealogias, parábolas, comparações, tratados, contratos, leis, coisas alegres e tristes, fatos verdadeiros e simbólicos. As introduções que os editores colocam antes de cada livro da Bíblia podem ser de grande auxílio na hora do estudo.

            Conhecer a língua em que foi escrito o livro também é vital para o bom entendimento: lembre-se de como é polêmico o caso dos “irmãos de Jesus” (Mc 6,3) que a Tradição, conhecedora de tudo isso, interpreta como “primos de Jesus”. A Bíblia foi escrita em vários lugares e países diferentes. Sua maior parte foi escrita na Palestina, terra onde o povo de Deus vivia e por onde Jesus andou. Também teve partes escritas no Egito e na Babilônia. O Novo Testamento tem partes que foram escritas na Síria, na Ásia Menor, na Grécia e na Itália. Por isso, a Bíblia foi escrita em três línguas:

            – Hebraico: língua utilizada para escrever grande parte do Antigo Testamento. Era mais usada nos ofícios religiosos. A sua escrita se dá muito diferente da nossa: é feita da direita para a esquerda, de cima para baixo. Tendo ficado vários séculos como língua morta, no fim do século XIX voltou à língua viva, sendo hoje a língua oficial do Estado de Israel.

            – Aramaico: língua utilizada para escrever parte do Antigo Testamento. Essa língua era bastante usada nas relações internacionais do Oriente Médio como podemos notar em 2º Reis 18,26: “Heliacim, filho de Helcias, Sobna e Joaé pediram ao chefe dos copeiros: ‘Fale com os seus servos em aramaico, que nós entendemos. Não fale em hebraico, diante do povo que está nas muralhas”. O aramaico tornou-se mais tarde a língua da Palestina. Jesus falava aramaico.

            – Grego: língua que começou a tomar grande espaço na época de Jesus. Todo o Novo Testamento foi escrito em grego (com exceção de Mateus que primeiramente foi escrito em aramaico e só depois traduzido para o grego). No Antigo Testamento encontramos apenas um livro escrito em grego: o livro da Sabedoria.

            Uma outra coisa muito importante: não faça uma leitura ao pé da letra. Esse tipo de leitura é chamado de leitura fundamentalista e é muito ruim, prejudicial ao entendimento. Lendo ao pé da letra, ou seja, achando que aquilo é como está escrito e nada mais, como você fará com esta passagem: “Se o olho direito leva você a pecar, arranque-o e jogue-o fora!” (Mt 5,29)? Por isso deve-se conhecer a verdadeira intenção do autor, fazendo uma leitura inteligente e saudável.

            Deste modo, é fundamental saber que nem tudo na Bíblia é ensinamento e eterno ou verdade de fé. Veja bem: Deus inspirou os homens a escreverem a Verdade sobre a realidade divina. Os homens, rudes judeus antigos, escreveram tudo o que Deus revelou, porém, utilizaram aquilo que eles possuíam, que eles tinham conhecimento para explicar essa Revelação. Por isso, a Bíblia não contém erros de doutrina, mas contém erros científicos, geográficos e históricos. Isso porque a Bíblia visa ser um livro de fé somente, que quer mostrar a relação de Deus com o homem, não servindo para explicar fenômenos biológicos ou geológicos.

            A Bíblia está impregnada pela cultura, conhecimentos e crenças do povo que a escreveu. Vejamos alguns exemplos curiosos do que podemos encontrar na Bíblia:

            – crenças primitivas: “Pois a alma da carne está no sangue” (Lv 17,11). Os antigos acreditavam que a alma (vida) do corpo estava no sangue, pois sabiam que se fosse retirado o sangue de alguém, esta pessoa morreria. Baseados nessa crença antiqüíssima e ultrapassada os “Testemunhas de Jeová” não aceitam a transfusão de sangue.

            – costumes de época e região: “Julguem por vocês mesmos: será conveniente que uma mulher reze a Deus sem estar coberta com o véu? A própria natureza ensina que é desonroso para o homem ter cabelos compridos” (1ª Cor 11,13-14). Esse costume variava de lugar para lugar. Jesus mesmo usava cabelos compridos como era costume entre os mestres de Israel.

            – lendas e situações simbólicas: “Nesse tempo – isto é, quando os filhos de Deus se uniram com as filhas dos homens e geraram filhos – os gigantes habitavam a terra. Esses foram os heróis famosos dos tempos antigos” (Gn 6,4). Nem tudo aconteceu realmente como está lá explicado. Muitas passagens são simbólicas, mas o importante é a mensagem que deixam.

            – leis provisórias: “Se um homem for pego em flagrante tendo relações sexuais com uma mulher casada, ambos serão mortos, tanto o homem quanto a mulher” (Dt 22,22). Jesus depois viria a falar sobre isso: “Quem não tiver pecado atire a primeira pedra” (Jo 8,7).

            – erros científicos e geográficos: “Deus disse: ‘Que a terra produza relva…” E assim se fez. E a terra produziu relva, ervas que produzem semente, cada uma segundo a sua espécie, e árvores que dão frutos… foi o terceiro dia. Deus disse: ‘Que existam luzeiros no firmamento do céu, para separar os dias das noites… Deus os colocou no céu para iluminar a terra… foi o quarto dia” (Gn 1,14-19). Toda a natureza precisa do sol para existir. Porém, no relato da criação Deus cria primeiramente a relva, as ervas e as árvores para no dia seguinte criar o sol. É claro que esta ordem está invertida.

            – gestos sem explicação: “Eles diziam isso para pôr Jesus a prova e ter um motivo para acusá-lo. Então Jesus inclinou-se e começou a escrever no chão com o dedo” (Jo 8,6). Este gesto de Jesus permanece um mistério para os estudiosos bíblicos. Por isso, não devemos ficar preocupados com alguns detalhes que encontramos durante o texto.

            – falta de conhecimento: “Deus disse: ‘Que exista um firmamento no meio das águas para separar águas de águas!’ Deus fez o firmamento para separar as águas que estão acima do firmamento das águas que estão abaixo do firmamento’… E Deus chamou o firmamento de ‘céu’” (Gn 1,6-8). Mais um fato curioso no relato da criação. Os antigos acreditavam existir dois mares: um como nós conhecemos e outro lá em cima, no céu, de onde cai a chuva. Então Deus fez o firmamento (céu) e colocou no meio “das águas”.

 

– Conclusão

Diante de tantas informações e de tantos pormenores que precisam ser conhecidos por aqueles que pensam em estudar a Bíblia, o leitor pode pensar: “Nunca vou ser capaz de conhecer a Verdade Revelada por Nosso Senhor!” Claro que você vai ser capaz, basta ler a Bíblia procurando basear-se nas informações que a Igreja de Nosso Senhor traz para você. Não se esqueça que ela lê a Bíblia há mais de 2000 anos.

            Jesus nunca distribuiu Bíblia pra ninguém, mas, ao contrário, ensinou que a Verdade está com seus Apóstolos na sua Igreja: “Quem escuta vocês, escuta a mim” (Lc 10,16). Sendo assim, os seus Apóstolos, os únicos com autoridade dada pessoalmente por Jesus para anunciar a Verdade (cf. Mc 13,13-19) saíram pelo mundo munidos da Tradição Oral, produzindo posteriormente a Tradição Escrita. Como os Apóstolos não viveriam para sempre, eles mesmos escolheram os novos Apóstolos, ou seja, bispos que continuariam a missão de pregar a Boa Notícia com autoridade. E assim foi, cada bispo foi passando a sua missão e sua autoridade para frente, até chegar em nossos dias. Isso se chama SUCESSÃO APOSTÓLICA, que só a nossa Igreja tem. Se pegássemos o nosso bispo e perguntássemos: “Bispo, quem te ordenou pastor do Senhor?”, ele então diria o nome do bispo ordenante. Então nós faríamos a esse bispo a mesma pergunta, e assim por diante… iríamos assim voltando no tempo e chegaríamos a algum dos Apóstolos. É uma corrente viva que não se rompe e permanece há 2000 anos através do Sacramento da Ordem. Esta corrente ininterrupta forma o MAGISTÉRIO, grupo de bispos com autoridade apostólica para interpretar autenticamente a Bíblia e a Tradição, mostrando ao mundo integralmente a Verdade Revelada.

            Esses são, portanto, os três pilares onde é sustentada a nossa fé: a BÍBLIA, Palavra de Deus escrita; a TRADIÇÃO, Palavra de Deus ensinada por todos os tempos e MAGISTÉRIO, que interpreta e aprofunda o conhecimento da Bíblia e da Tradição. É daí que vem a autoridade da nossa Igreja em resolver com clareza os pontos duvidosos da fé.

            Por isso, mais do que nunca, devemos acreditar na Bíblia, mas também, com igual valor, devemos acreditar e amar a Tradição e ouvir o que diz os Bispos unidos ao Papa pelo Magistério.

            Guardemos, portanto, com convicção estas palavras, pois só conseguiremos retirar a Verdade Revelada e a Verdadeira Doutrina da Bíblia se a sua interpretação for acompanhada pela Tradição Viva da Igreja, com 2000 anos de História, presente e comentada pelo Magistério que tem sua autoridade nos elos contínuos da corrente apostólica. É por isso que nos baseamos nos ensinamentos corretos e verdadeiros da única Esposa de Cristo (Ef 5,25), àquela a qual Jesus formou como obra pessoal e eterna sua (Mt 16,18); ela que é coluna e sustentáculo da Verdade (ITm 3,15); que quando fala é o próprio Cristo quem está falando pois ela é o seu Corpo (Ef 1,22) e que tem a missão de ensinar. Ensinar através dos Apóstolos legítimos, os únicos que receberam a autoridade das mãos do Mestre e a perpassaram para outros escolhidos no decorrer dos tempos (Mc 3,13-15), pois desse modo é que todos os homens e mulheres “de agora por diante conhecem, graças à Igreja, as várias formas da sabedoria de Deus” (Ef 3,10), pois ela está “edificada sobre o alicerce dos apóstolos e dos profetas, do qual é Cristo Jesus a pedra principal” (Ef 2,20).

 

            “Quanto a você, permaneça firme naquilo que aprendeu e aceitou como certo; você sabe de quem o aprendeu” (2ª Tm 3,14).

 

            Louvado seja o Nosso Senhor Jesus Cristo.

            Para sempre seja louvado!

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