SENHORAS DO DESTINO

Cena 1: A jovem designer Maria Eduarda, rica e bem-nascida filha de um empresário da zona sul do Rio de Janeiro sai de casa escondida dos pais para se encontrar com o namorado maître de um restaurante francês, Monsieur Vatel, altamente badalado. Vestindo roupa da moda e carrão importado, passa pelas avenidas movimentadas da cidade toda feliz por ter encontrado, enfim, um homem que a amasse. Estão incrivelmente apaixonados, mas ela sabe das dificuldades, pois os pais não querem seu envolvimento, sendo ele morador da Baixada Fluminense. Ao final do expediente no restaurante, saem para passear e terminam a noite num motel caro. Lá, para atestar o amor que sentem um pelo outro, entregam-se numa ardente noite de amor.

 

Cena 2: Francisca, empregada doméstica de um bairro de classe média baixa de Fortaleza, assiste à novela das oito em sua TV de 10 polegadas, sentada na cama de seu quarto na casa da patroa. Tem 18 anos e se delicia com o amor de Maria Eduarda e seu namorado, que se entregam um ao outro sem reservas numa linda noite de amor, devidamente documentada em cenas picantes no decorrer do capítulo. Está arrumada, calça jeans justíssima e blusa de decote grandioso, comprados em liquidação, e se perfuma com uma fragrância almiscarada. Terminada a novela, desce ao térreo do prédio onde o namorado a está esperando. Saem para uma festa animada de forró, onde dançam a noite inteira. Terminada a festa, o namorado, um pouco embriagado, chama Francisca para um motel barato fazendo juras de amor eterno e pedindo para passarem juntos aquele resto de noitada. Ela, feliz e satisfeita de ter encontrado o homem da sua vida, aceita, sabendo que o dia seguinte é a sua folga do trabalho.

 

Novelas lançam moda, é fato. Desde que os folhetins surgiram na TV, no final da década de 50, modismos e mudanças de comportamento varreram uma série de “tabus” do interior das famílias e remodelaram conceitos até então considerados lei tácita na vida social das pessoas. Da franja no cabelo à vida conjugal, não há um pilar da sociedade que não tenha se sacudido sob a explosão de tantas histórias de amor, açucaradas, épicas ou realistas. Jovens de antes e de hoje se deixam levar pelas ondas que surgem a cada nova trama, promovendo análises não muito sérias a respeito dos valores da sociedade e minando a educação que lhes fora dada dentro da família e, em alguns casos, dentro da Igreja. Posto que, em novela, o que importa é o impulso amoroso e a busca incessante pela felicidade, com a intenção de aumentar a audiência, deve-se discutir o papel que ela tem na formação das pessoas, sobretudo dos adolescentes e jovens, e o perigo que há em fazer da própria vida uma extensão, quase sempre deslocada, do folhetim que está em exibição na tela.

É sempre recorrente nos folhetins a desculpa de que o amor e a felicidade bastam para romper as ordens impostas pela sociedade. Regras estabelecidas servem unicamente para serem desobedecidas e, na verdade, o que importa é próprio bem-estar. Ao longo de décadas, aprendemos que o sexo, o casamento e o respeito à família são idéias relativas perto daquilo que o folhetim impõe para “ser feliz para sempre”. Mais vale viver o conto-de-fadas maravilhoso do final da novela do que viver a cruel realidade da vida real, recheada de dramas sem solução, problemas complicados de serem acolhidos e traumas que duram a sarar. A tela nos ensina a viver à margem da nossa realidade e nos convida a conviver com a ficção que se apresenta como via de paz e harmonia perfeita para nós. Maria Eduarda é feliz entregando-se a seu namorado num quarto de motel. Acredita ela que aquela noite de amor é uma prova definitiva da relação sincera que há entre os dois, e que, a partir de então, estarão ligados pela intimidade afetiva e sexual para sempre. O telespectador esquece, porém, que ela é uma personagem de novela que obedece às ordens de lucro da telinha e aos índices de audiência. Nós, ao contrário, fomos criados com e para a verdadeira paz firmada no Amor de Deus, que ama a nossa história e nos faz percorrer o caminho estreito à Sua intimidade, nossa verdadeira salvação.

No fundo, a questão principal a ser debatida é a da liberdade. Liberdade de viver a vida sem limites e sem oposições com a certeza vazia de se chegar a um final feliz, tal qual a lição da vida mostrada na novela, onde os mocinhos são felizes para sempre e os vilões são derrotados como lição. A vida real, recheada de dores, sofrimentos e responsabilidades, é incômoda porque não se enquadra naquele ideal de felicidade sem fim e porque depende das nossas escolhas e não da necessidade da mídia. Estando encantados com a vida dos personagens e com a liberdade deles em fazer tudo em nome de sua felicidade, acreditamos também ser possível a nós passarmos por cima dos limites de comportamento para conseguirmos nossa liberdade e para sermos felizes. E essa liberdade em prol do bem-estar mostrada nas novelas é o que nos leva a romper com a nossa amizade com Deus e a renunciarmos à Sua Graça, pois, na lição de São Paulo, “tudo me é permitido, mas nem tudo convém” (I Cor 6,12).

Viver o presente na lição que Deus nos dá em sua Palavra e na Eucaristia, pelo exemplo Daquele que aceita a dor para buscar a Salvação, é a opção certa de felicidade que o Pai oferece para nós, sempre respeitando a nossa liberdade. É preciso, contudo, que renunciemos a esse senhorio orgulhoso de si e deixemos que o Pai mostre a Sua Misericórdia sobre nós, nos ensinando a via da paz que passa pela Cruz e o Amor que surge na obediência.

 

 

BRENO GOMES FURTADO ALVES

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