QUEM SÃO OS DEFICIENTES?

Terça-feira , meio-dia, sol a pino, um calor de sufocar no Rio de Janeiro. Ônibus lotado, horário de saída dos alunos das escolas. Carregada de embrulhos, lá ia eu de pé, tentando não perder o equilíbrio, em mais uma viagem corriqueira. Em meio aos pensamentos sobre as tarefas que teria para fazer durante o restante do dia, minha atenção foi desviada para uma alegre conversação entre quatro crianças, que sentadas em dois bancos, gesticulavam sem parar. Observando melhor, constatei que as crianças eram mudas, e conversavam sim, mas por meio de sinais. Senti compaixão por elas e comecei a refletir sobre suas possíveis dificuldades para viverem e se comunicarem no mundo “dos que falam”. Se para os que não apresentam nenhuma deficiência, conseguir um lugar ao sol no mundo competitivo de hoje já é difícil, fiquei imaginando como seria para elas no futuro. Como disputar uma vaga no mercado de trabalho, como se relacionar ao modo de hoje, onde todos andam com um celular no ouvido, caminhando pelas ruas, falando ao telefone? Pensava no quanto a tecnologia já oferece para suprir as necessidades dos deficientes e do quanto ainda se pode fazer.
 
Uma freada mais forte que o motorista deu naquele instante, me fez voltar ao problema de me manter equilibrada, segurando na barra do ônibus com uma só das mãos, já que a outra estava ocupada com os embrulhos que eu carregava. Dei uma olhada geral e vi tantos jovens sentados, sem nem se importarem com as pessoas de mais idade que viajavam de pé. Cada um cuidando de si, sem se sensibilizar com o que acontecia ao outro ali do seu lado. Que tremenda falta de educação, pensei, que falta de caridade a das pessoas de hoje. É a sociedade “moderna”, onde muitos contra-valores viraram valores, onde o individualismo, onde o “primeiro eu” é o que vale. Se não formos mais capazes de ceder um simples lugar num ônibus, imagine só em situações mais complexas. Confesso que aflorou em mim uma pontinha de desesperança com a humanidade. Para onde caminhamos se as coisas continuarem assim deste jeito? Em nome de uma falsa e ilusória noção de liberdade, o ser humano vai se distanciando da Verdade, se descristianizando, se afastando de Deus.
 
Voltei meu olhar para as quatro crianças mudas e percebi que estavam gesticulando agora, muito mais. O que será que conversavam? Será que comentavam sobre a freada que o motorista acabara de dar? Sobre as últimas novidades da novela? Me pareceram bastante agitadas, o assunto devia ser bem interessante, fiquei curiosa. Apontavam umas para as outras, estavam como que tomando uma decisão. Decerto, pensei, estão decidindo revezar o lugar perto da janela, pois estava fazendo muito calor. Foi aí que aconteceu o inesperado, o que eu nem podia imaginar que teria sido aquela conversa toda entre elas. Uma delas levantou-se e passou para o banco onde já estavam sentadas as outras duas, ficando em três, ali apertadas e desconfortáveis, e a outra que havia ficado sozinha no banco de traz, começou a gesticular em minha direção me apontando o lugar vago, privilegiado, perto da janela. Toda aquela discussão tinha sido exatamente para criar um lugar para que eu pudesse me sentar. A compaixão que eu havia sentido por elas, transformou-se em ternura naquela instante.
 
A ponta de desesperança pela humanidade, desaparecera diante daqueles quatro sorrisos que iluminavam e aqueciam meu coração, muito mais que o sol tórrido lá de fora. Jesus continua entre nós, pensei, mesmo que a gente se perca em atalhos, Ele está sempre aqui, sinalizando, o Caminho, a Verdade e a Vida. As quatro crianças “deficientes” eram capazes de falar bem alto ao mundo que as rodeia, nós estamos te vendo, nós nos importamos com vocês. E vocês se importam com a gente?
 
Neste ponto volto a pergunta que foi o título deste artigo, quem são os deficientes? São eles ou somos nós?

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