SOBRE PRESÉPIOS, ESTRELAS E OUTROS NATAIS

O famoso museu de cera londrino, Madame Tussaud, decidiu construir um presépio no qual os personagens natalinos teriam os rostos de personalidades britânicas, escolhidas pelo público do local. Ao sabor da excentricidade inglesa, São José e a Virgem Maria ganharam os rostos de David Beckham e sua esposa Victoria Adams, ambos angelicalmente vestidos e desenhados, com direito, ainda, a um rei mago trajado de George W. Bush. Para eles, foram uma grande piada, mas para muita gente, inclusive a Igreja, resultou em uma brincadeira de extremo mau-gosto e desrespeito, com direito até a uma bronca do porta-voz do Vaticano. Ânimos exaltados, não deixa de ser instigante o fato para que se reflita sobre a importância do Natal, hoje.

Modernos e atraentes, não é surpresa que o casal queridinho da Grã-Bretanha se preste à fama de posar a uma lapinha. O craque do Real Madri, extensamente tatuado e brilhante com seus brincos e firulas, parece propor um novo ideal de masculinidade, que dá ao macho o adjetivo de homem-objeto, servindo-lhe a oportunidade de ser o pai adotivo de Jesus para injetar mais uma dose de marketing à sua figura e aumentar a histeria sobre ela. Não por menos, a ex-spice girl Victoria ganha um ar de candura, empostada como a Virgem, a criar a imagem perfeita da mulher do novo milênio, consagrada, rica, famosa, casada com um sex-symbol, a exibir seu discreto sorriso para as invejosas de plantão. Colocados lado a lado, menino Jesus ao chão (sem nenhuma celebridade a lhe tomar o rosto, felizmente), deitado na “antiquada” manjedoura, indicam um novo olhar sobre a clássica cena de Belém, a indicar que mais vale o brilho dos flashes dos fotógrafos e o barulho da polêmica do que o retrato fiel do nascimento de Jesus. Como se não bastasse o Papai Noel e sua simpatia terem desviado a nossa atenção…

Assim, pobres e humildes, Maria e José trazem um ranço de pobreza e carência que contradizem o ideal novo de Natal, com suas bolas e enfeites coloridos e flocos de neve a riscar o ar, à moda das ruas de Nova Iorque, sem o requinte que se espera do momento mais especial do ano, transformado e deformado após tantos modismos. Imaginemos o clima seco e árido da Galiléia, que esfriava bastante à noite, chegando quase a gelar; a paupérrima cidade de Belém, esquecida até pelos judeus da época; o casal sem teto e sem acolhida, tendo de se virar para esquentar o recém-nascido numa humilde manjedoura, dividindo o espaço com bois, vacas e cabras. Olhemos para a simplicidade de Maria e José, igualmente pobres e igualmente simples, atraídos pela luz do Cristo que age no escondimento da fé para espalhar a Boa Nova na pequena-grande Graça do Seu nascimento. O Natal de hoje não trai mais essa realidade, nem mesmo presépios são tão comuns hoje quando antes. O Papai Noel serve para tapar nossos olhos a essa Luz com sua imensa barriga e sua inconfundível roupa vermelha, cortês o suficiente para fazer as crianças esquecerem quem é realmente importante nessa época do ano e propaganda ideal para vender de perus gordos a máquinas de lavar. Vive-se a ignorância da clássica idéia de perdão e caridade para o aumento da fantasia do consumo, enquanto que a pequena chama da esperança Naquele que vem se esvai na nossa indiferença e desorientação.

“(O Verbo) era a verdadeira luz que, vindo ao mundo, ilumina todo homem. Estava no mundo e o mundo foi feito por ele, e o mundo não o reconheceu” (Jo 1, 9-10). As palavras de João são, infelizmente, realidade triste para nós, cristãos, que vemos o momento do Natal se transformar numa momentânea celebração de valores superficiais e opacos, estalando em corações que já não se inflamam com a Vida em plenitude que vem até nós como ensinamento de amor. Cristo ilumina a nossa humanidade quando assume, Ele mesmo, o ser homem, para comprovar a ação da Sua imensa Misericórdia sobre as nossas fraquezas e sobre a nossa desesperança. A Igreja olha, com especial louvor, para a cena tocante de Belém, querendo ela também ser humilde e pura para acolher com sinceridade essa Graça singular, quando Jesus invade nosso coração e arrebata-nos à intimidade com Deus, inserindo-se no tempo. E, como não reconhecemos mais o seu singelo olhar na insossa comemoração do Natal, ele perde a sua razão de ser para nós, transformando-se em mera festividade passageira, que nem sequer inspira a contento a comunhão e a paz.

O casal Beckham-Victoria, nos trajes da Sagrada Família, traduz bem isso: a deslumbrante exaltação da nossa superficialidade em detrimento da essencial acolhida do mistério de Deus. Enquanto nos detivermos em vivenciar essa pobre visão de celebridades a brilharem de forma espetacular, pelo gosto da brincadeira e da polêmica, estaremos perdendo o que se esconde na nossa fé e que está bem guardado no íntimo de nós: Deus que nasce e que se faz pobre. Sua Glória, que ilumina nossa vida tão chagada pela covardia e pelo apego às nossas fraquezas, não necessita, para ser plena de bênçãos para nós, de enfeites outros que não a nossa pura e simples acolhida, e é presente na humilde presença do Menino-Deus ignorado por muitos mas substancial em Sua grande pequenez. Repito, então, com ardente fervor, a verdade dita por João: “Ninguém jamais viu Deus. O Filho único, que está no seio do Pai, foi quem o revelou” (Jo 1, 18).

BRENO GOMES F. ALVES

Formação Jovem | Dezembro de 2004

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