Um gol contra

O mundo das inutilidades e futilidades foi recentemente sacudido pelo "casamento do ano" entre o craque Ronaldinho e a modelo Daniela Cicarelli. Nada que merecesse nossas páginas, se não fosse por um fato que tem causado mal-estar a toda a Igreja no Brasil, com resvalos na imagem da Igreja em todo o mundo: a "bênção especial" dada pelo padre Antônio Maria à união, que por sinal não recebeu sequer a indulgência da lei civil por conta dos nubentes serem divorciados.

Numa recente entrevista o pe. Antônio Maria alegou que foi ao casamento como amigo, e deu sua bênção "como daria a qualquer pessoa que lhe pedisse". E disse ainda: "No livro do ritual de bênçãos da Igreja há bênção para casa, carro, fábrica, quadras de esporte, instrumentos musicais, bênção de animais, de pastagens, de cemitério e muitas mais. Não vejo nenhuma ‘desgraça’ abençoar dois jovens que pretendem direcionar seus passos no caminho de Deus".

Essas alegações infelizmente não são suficientes a explicar o óbvio: A Igreja não reconhece como válida a união de duas pessoas ainda unidas a outras pelo casamento civil – que é o caso de Ronaldo e sua noiva – mesmo que não tenham se casado anteriormente na Igreja, e um sacerdote ao dar uma bênção ou qualquer outro gesto ritual não o faz em seu próprio nome, ninguém é padre para si mesmo. Como complicador, abençoôu publicamente uma cerimônia que não tem valor sequer segundo a lei, e muito menos diante da Igreja.

Ou seja, uma bênção inócua, mas que teve sérias conseqüências, já que nessas horas, vêem a Igreja e não o gesto isolado de um de seus membros, e a imprensa parece conhecer bastante a nossa doutrina nessas horas. Como disse o próprio padre, há no Livro Ritual de Bênçãos diversas aplicações às mesmas, de casas a pastos, mas não há nenhuma bênção que se aplique àquele tipo de cerimônia, pelo contrário, há a clara manifestação contrária da Igreja.

É bem sabido pelo mesmo padre que abençoar uma união matrimonial só é cabível no rito do matrimônio, quando os noivos preenchem as exigências prescritas, e a essas exigências ninguém está excluído, nem mesmo as tão cultuadas "celebridades". Todas as sociedades e todas as grandes religiões do mundo – catolicismo, judaísmo e islamismo – possuem seus ritos e exigências para o matrimônio, e em todas elas o matrimônio é um sacramento, é um ato sagrado, e não uma banalidade submissa a uma estética carnavalesca ou exibicionista.

O propósito e motivação da referida bênção é amplamente duvidoso, haja vista qualquer fiel comum está obrigado a cumprir todas as exigências do sacramento matrimonial para receber a bênção de Deus e da Igreja em sua união. Que será então doravante de todos aqueles que estão impedidos de casar-se ou de casar-se novamente? Chamarão igualmente algum padre amigo que lhes dê uma "bênção especial"? Bom, então estará inaugurado o rito LIGHT do matrimônio, uma versão bizarra e pós-moderna do rito santo e santificante da casamento, se for uma "celebridade", fica ainda mais fácil.

Num momento onde a Igreja é tão duramente atacada pelas verdades que defende; em que o casamento e a família são alvos freqüentes desses ataques e objeto permanente das abordagens do papa João Paulo II, e estando a Igreja prestes a publicar um novo documento sobre indissolubilidade do matrimônio, a atitude do pe. Antônio Maria se constitui num desserviço à Igreja e por conseguinte a todo o povo de Deus. Isto deve ser objeto de nosso protesto. A questão é agravada pelo alcance justificado e merecido da figura pública do pe. Antonio Maria. E, dentro da Igreja, Antônio Maria é maior que Ronaldo.

Se era desejo do casal receber a bênção de Deus – e isso é louvável – mais útil seria o pe Antônio Maria ter-lhes orientado da forma correta, e que celebrassem uma união válida sob a ótica da lei e da Igreja, ao invés de um espetáculo de ostentação e luxo.

Infelizmente, esse triste fato municiou os críticos da Igreja e entristeceu aos fieis e religiosos católicos que laboriosamente trabalham na formação de casais e famílias edificadas sob a santidade do matrimônio. Aos críticos, não há explicação ou justificativa que baste, a não ser assumir a verdade dos fatos: o pe. Antônio Maria errou, e seu gesto não encontra suporte na doutrina da Igreja e nem na aprovação dos católicos conscientes. Além de contar com a reprovação já manifesta das autoridades da Igreja.

Esse fato sem dúvida não diminui o valor do trabalho do pe Antônio Maria. Não diminui o valor de sua música, de seu belo e amplo trabalho caritativo, de seu empenho na divulgação e difusão da devoção à Virgem de Schoensttat no Brasil. Por tudo isso o pe. Antônio Maria é e continuará sendo merecedor de todo o nosso respeito e admiração, entretanto isso não arrefece a nossa decepção e nem a nossa crítica ante os fatos noticiados na imprensa, e confirmados pelo próprio padre com explicações que não se servem a uma justificativa.

Não somos afetos a um exacerbado rigor à ortodoxia, mas a Igreja não se manteve depositária das verdades da fé graças à sua capacidade de absorver os modismos e relativizações impostas pelas gerações, mas justamente por ser heróica em conservar essas mesmas verdades.

O que nos mantém unidos é uma Igreja que a todos abraça, que a todos acolhe, que a todos respeita, mas que não é leniente com nenhum dos seus filhos, independentemente de cor, raça ou posição social; que não relativiza seus dogmas e nem as verdades que defende e ensina, mesmo ao custo do sangue de seus mártires. Todo esse esforço e graça deve ser honrado pelos seus fieis, mas principalmente por seus clérigos, que não devem ser permissivos, mesmo diante do cintilante, mas passageiro brilho das estrelas da mídia.

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