LOLEK! KAROL! JOÃO!
Não é nenhuma coincidência que tudo tenha se dado na Oitava da Páscoa, num primeiro sábado do mês! Também não é coincidência que as últimas palavras tenham sido pronunciadas em favor e agradecimento aos jovens, tão queridos seus! Não, não se trata de nenhuma coincidência. Quando víamos sua figura paterna, desgastada pelo peso do comando de tantas almas, curvada e serena em sua mansa santidade, seus olhos que grampeavam o olhar de todos e em cuja profundidade se afogava o martírio de tantos que sofrem e gemem, a única coisa que buscávamos era o seu exemplo. Em seu vivencial anúncio do Evangelho, quando eleva seu Cristo acima de todo brado humano e de toda expectativa, João perturba e consola, em mãos tão frágeis e fortes, um mundo que tomba diante da própria prepotência, da própria ignorância. E, mesmo morto, levado pelos oficiais do Vaticano em penosa procissão na Praça de São Pedro, sob o olhar perplexo de milhares de pessoas que choram, que gritam seu nome, João, o nosso João de Deus, apascenta com seu semblante de Paz, como um espelho do Céu que nos aguarda. Mesmo em seus trajes de morte, num vermelho que acentua ainda mais a alvura da pele experimentada na dor, vemos a prefiguração de Cristo que experimenta a Paixão e a suplanta, na esperança da Glória eterna de Deus. O mundo, pesaroso e contrito, testifica no profundo dos olhos e do coração essa paz que o nosso Karol tanto espalhou, e grita: “A bênção, João!”.
Em pequeno, o Lolek, o pequeno Karol, amparado unicamente pelo Deus que havia de anunciar. Depois, o Karol forte e austero da juventude – ator, escritor, poeta, operário, seminarista. Plural e dinâmico numa Polônia presa em si mesma, amedrontada pelo pavor de falsos anúncios. Logo, o Bispo Karol, respeitado e escondido em seu carisma de pastor, maduro o suficiente para ser ouvido no Vaticano, chama a atenção do Conclave. E, por fim, o João, João de Deus, Papa do mundo, Papa da Paz!
Não, não é coincidência! Em seus últimos dias de vida, aos quais Deus resguardou a liturgia da Paixão do Senhor, o nosso João, tal qual o apóstolo que Jesus amava, procurava dar essa lição do amor que perpassa o sofrimento e que é tão inquietante para nós. Ele, o nosso Lolek, que desde a infância experimentara a dor da ausência dos seus, amparando-se na fé que a Trindade alimentava em seu coração, e que depois, como seminarista clandestino e audaz operário, estampara em seu rosto a forte resistência à opressão dos regimes e das ideologias, agora sedimenta, como Papa (ou melhor, como Pai), essa entrega que responde a toda indagação, que explica em termos humanos o que Cristo, em seu Corpo, na história da Igreja e no exemplo dos santos, sempre anunciou. E isso (graças a Deus!) diante de toda a humanidade, inquieta e nervosa, distante de Deus. Sim, o nosso Lolek, o nosso Karol, também viveu a Paixão que Cristo reservou ao seu Vigário, vigoroso e entusiasta na sua fé segura no Pai. Amando e amado, amante e amoroso!
No meio dos povos, no meio da multidão faminta de Deus, falando as mil línguas do homem para penetrar em seu seio, no regaço do seu coração, ele era Paulo. Mas, mesmo nesses momentos, muito mais João. Sim, aquele João que afaga as crianças, brancas, negras, índias. Que consola os pobres, das profundezas da África aos rincões da América Latina. O João entre os seus, entre aqueles que amava, como Jesus o amava. A humanidade, tão cega no amor, parecia perceber essa aventura da caridade que o Papa realizava entre si e os homens, anunciando a Cristo nas mais variadas formas e cores. Anunciando com o coração…
Perseguido por insistir em segurar a Cruz, ele mantinha-se firme na fé. Queriam-no livre da dor, longe das feridas, do martírio. Ele, ao contrário, firmava-se entre os pregos do madeiro, coroado de espinhos como seu Mestre. Ignoravam-no quando ele repreendia sob a autoridade da Igreja, ainda na sangria da Paixão, e ele, fiel e obediente, dava o seu “sim”. Ah, o “sim” de João era o mesmo de sua Mãe! Sim, porque o nosso João virava o pequeno Lolek nas mãos da Imaculada! A ela, que o livrara dos piores momentos e do escárnio dos homens insensatos, ele dedicava o seu brado de amor: “Totus tuus!”. E a anunciava aos confins do mundo: Maria Eucarística, Mãe da Igreja, Mãe dos Povos, Virgem do Santo Rosário… Ajoelhado os pés da Virgem de Lourdes, os olhos inundados de água, pedindo força na angústia do sofrimento… Sim, nosso João, pequeno Lolek, dizia: “Sim!”.
Não, não se trata de coincidência! Na festa da Páscoa, quando a Igreja grita de alegria pelo Cristo que vive no meio de nós, João se cala! Na sacada, o definitivo esforço de anúncio de Cristo (como era teimoso esse Karol!), e a bênção dada no tremor do Parkinson e na dor que pouco a pouco o consome. Sim, o seu “sim”! Ele, na Páscoa, confirma em nós a esperança do Céu, a certeza do cumprimento das promessas de Deus. E o mundo, delirante e confuso pelo pecado, de repente pára para ver aquele homenzinho (aliás, um homenzarrão!), deitado na glória do Pai, branco e vermelho a indicar a paz e o martírio. São estes os pilares deste santo que vimos pela TV, querido e desprezado, ofegante e forte, curvado e robusto, inocente e voraz… Ah, pequeno Lolek, como é bom vê-lo! O mundo sente saudades de ti, Karol! O mundo aprende de ti o que é amar na dor, doar-se no amar… De ti, doce João! De ti, pequeno segredo do Pai para nós! Vai para o Céu, continuar a missão que Cristo, pelas mãos maternas e doces de Maria, te confiou: para sempre amar!
BRENO GOMES FURTADO ALVES
Formação Jovem | Abril de 2005