Entenda o que é a reprodução assistida

A ciência ética e a ciência experimental – médica ou biológica – são duas disciplinas muito distantes. A ciência experimental descreve fatos; a ética indica valores e normas segundo as quais é preciso agir. Não é fácil promover seu encontro. Mesmo assim, é preciso fazer isso, pois, como se sabe, na medicina experimental nasce uma série de problemas éticos. Deve-se agir como uma costureira: o fio e a agulha são duas coisas bem diferentes, mas, para costurar, precisamos das duas coisas. O segredo está no buraco da agulha, no qual se põe o fio.

Para tratar dos problemas de bioética, é necessário fazer com que esses problemas encontrem a antropologia. Sendo assim, propomos um método que podemos chamar triangular. Em primeiro lugar, devemos descrever os fatos científicos tal como se apresentam. Em seguida, devemos nos perguntar que peso esses fatos têm sobre o homem, sobre seus valores e sua pessoa. Esse é o buraco da agulha em que se deve pôr o fio. É a partir do problema antropológico que se pode tratar também da ética.. Depois de enfrentar o problema antropológico, que é central, devemos identificar o que não é lícito e explicar por quê. Esse, portanto, é o método, exposto em poucas palavras: aspecto científico, aspecto antropológico e aspecto ético.

Comecemos pela descrição da procriação artificial ou reprodução assistida.

Inseminação artificial

Várias etapas introduziram essa nova tecnologia. A primeira delas foi a inseminação artificial. Depois de algumas experiências feitas com animais no século XIX, na década de 1930 fizeram-se as primeiras experiências com o homem. As primeiras inseminações artificiais foram feitas na Itália, em 1934, na Universidade de Bári.

Como diz a expressão, inseminação artificial significa inserir o sêmen no corpo da mulher por meio de uma transferência feita artificialmente, mediante uma seringa, por via transabdominal, ou mediante um catéter, por via transvaginal. Com esse procedimento, pretendem-se superar algumas das causas de infertilidade encontradas em homens e mulheres.

Essa transferência artificial pode ser feita de duas maneiras. Quando o sêmen é do esposo, trata-se de inseminação homóloga; quando ocorre infertilidade também do esposo, a inseminação é feita com o sêmen de outro homem, e se chama heteróloga. A passagem para a inseminação heteróloga é uma situação dramática, com a constituição daquilo que veio a se chamar “banco de sêmen”. O sêmen é comprado ou preservado de um doador. Realizam-se testes para ter certeza de que não está infectado por bactérias ou outros microorganismos, mas esses exames são simples e superficiais: nunca se fazem exames genéticos sobre os espermatozóides. Isso significa que, por meio da inseminação heteróloga, podem-se transmitir doenças infecciosas ou até mesmo a aids, como já ocorreu.

A inseminação artificial foi condenada já pelo papa Pio XII, que, em discursos de 1953 e 1957, fez distinção entre a inseminação artificial propriamente dita, na qual se transfere o sêmen para o útero da mãe, e a intervenção feita no corpo da mulher ou do homem antes da relação natural para facilitar a capacidade de fertilização de um ou do outro, por meio de remédios próprios em doses apropriadas. Quando a mulher não tem ovulação suficiente, podem-se ministrar hormônios, e isso não é inseminação artificial, mas ajuda à fertilidade. Da mesma forma, quando os espermatozóides do homem são poucos ou não têm força ou não se movem o suficiente, pode-se intervir com alguns tratamentos. A ajuda que se dá ao homem ou à mulher antes do ato conjugal é uma ajuda lícita. A substituição do ato conjugal é que não é lícita – depois vamos explicar por quê.

Uma segunda técnica de fecundação artificial constitui-se de transpor os dois gametas – o óvulo e o sêmen – para dentro do corpo da mulher. A isso se chama transferência dos gametas para dentro das trompas. Depois de provocar a ovulação, usa-se uma seringa para aspirar dois óvulos; em seguida, aspira-se uma bolha de ar e, então, os espermatozóides previamente preparados, usando a mesma seringa. Separados pela bolha de ar, os dois óvulos, às vezes três, são inseridos numa trompa e se encontram com os espermatozóides dentro do corpo da mulher. Pode ocorrer que nenhum óvulo seja fecundado. A porcentagem de casais que conseguem a gravidez por meio dessa técnica é de cerca de 25%. Às vezes, pode acontecer que sejam fecundados e gerados dois, três, quatro embriões, podendo esse número chegar até seis. Nesses casos, algumas vezes se propõe o aborto seletivo de alguns dos embriões, a chamada redução embrionária, pois a mulher não consegue levar adiante a gestação de todos os embriões juntos. Ou seja: primeiramente, estimula-se a mulher a produzir óvulos, depois ela recebe esses óvulos e, uma vez produzidos os embriões, alguns são mortos porque são demais. Percebe-se como os problemas éticos se mostram cada vez mais graves.

Fecundação in vitro

Uma terceira técnica de fecundação artificial é a fecundação extra-corpórea, realizada em laboratório: é o bebê de proveta, como se costuma chamar, ou FITE(fecundação in vitro com transferência de embriões). Primeiramente, a mulher é submetida a estimulação hormonal maciça, para que produza de uma só vez entre oito e dez óvulos. Como se sabe, a mulher produz, em média, um óvulo a cada trinta dias. A estimulação hormonal já é um problema médico e ético, pois pode acarretar uma série de complicações. A síndrome por hiperestimulação pode produzir também alguns óvulos. Depois, preservam-se esses óvulos, que não sabemos se são maduros e sadios, pois foram produzidos forçadamente. Eles são levados para o laboratório numa pequena bacia, que deve conter um líquido semelhante ao que se encontra nas trompas da mulher. Pesquisadores levaram muitos anos para descobrir qual era o terreno propício de cultura para manter esses óvulos vivos. No meio de cultura, os óvulos são aproximados dos espermatozóides. Os espermatozóides vêm do banco de sêmen, onde são guardados, congelados, a 190º abaixo de zero. É importante dizer isso, pois o congelamento pode provocar danos. Eles são aquecidos até a temperatura de 37º, que é a temperatura do corpo, e aproximados dos óvulos. Então ocorre a fecundação fora do corpo humano.

Esse procedimento permitiu a biólogos e a pesquisadores observarem de perto o que significa a origem da vida. Até então, esse fato acontecia de forma misteriosa, oculta na intimidade do corpo da mulher. Aqui começam as complicações, pois quase todos os embriões fecundados são selecionados por meio do microscópio. Escolhem-se os que parecem, ao olhar do técnico, mais robustos. Os que parecem mal formados são descartados. É preciso dizer que esses embriões são seres humanos, são filhos.

Depois de feita a fecundação, os embriões são transferidos para as trompas. Nessa passagem da proveta ao corpo da mulher, perdem-se muitos embriões. Imaginemos que o primeiro não pegue, o segundo também não: às vezes gastam-se todos os embriões e nenhum deles pega e, no mês seguinte, é preciso realizar um novo procedimento, pagando-se evidentemente o mesmo valor da primeira vez. Quando o embrião pega e começa a gravidez, os embriões que não foram transferidos para o corpo da mulher são congelados e chamados de embriões supranumerários. Pela primeira vez, seres humanos vivos são congelados e chamados de surplus.

Nós, que conhecemos muitas crueldades no século passado, como as que ocorreram contra os vietnamitas ou nos campos de concentração nazistas, estamos agora diante de um outro tipo de crueldade. Cada embrião vale tanto quanto qualquer um de nós, mas são congelados e mantidos vivos nesse estado. No mundo, hoje, existe mais de um milhão desses seres humanos congelados, e ninguém sabe dizer o que deve ser feito com eles. Na Inglaterra, depois de cinco anos, eles são destruídos; na França, parece-me que isso ocorra depois de dois anos. Alguns dizem: vamos usar esses embriões para experimentação. Mas fazer experiências com seres humanos vivos é proibido por todas as leis internacionais depois do processo contra o nazismo, em Nuremberg. O código de Nuremberg proíbe a experimentação com seres humanos vivos que não tenham condição de dar seu consentimento a esses experimentos. Mas em muitos países, como, por exemplo, a Inglaterra, os embriões congelados já são entregues aos laboratórios para experimentação.

Dissolução da maternidade e da paternidade

Mais uma observação técnico-científica cheia de conseqüências éticas. Foi elaborado um levantamento estatístico a partir dos dados de todos os centros de fecundação extra-corpórea. A primeira pesquisa foi feita há mais de dez anos e repetida recentemente, com os mesmos resultados. De cada cem embriões feitos em laboratório, somente 5 chegam vivos aos braços da mãe. Os outros se perdem ou são congelados – e, assim, também são perdidos. Nenhum ato médico, nenhum ato cirúrgico seria permitido se tivesse uma perspectiva tão grande de erro. Que cirurgião faria uma cirurgia na qual 95% dos pacientes têm possibilidade de morrer?

Existem outras complicações a serem observadas. Há casos em que uma mulher que quer ter um filho não apenas precisa do óvulo emprestado por outra mulher e do espermatozóide tomado de seu marido ou de outro homem, mas precisa também alugar o útero de outra mulher, porque, por exemplo, passou por alguma cirurgia. Dessa forma, temos uma pluralidade de maternidade: há a mãe genética, que doa o óvulo, a mãe gestatória, que ofereceu o útero – a chamada “mãe de aluguel” -, e a mãe social, à qual a criança é entregue. Houve casos de mulheres que alugaram o útero e depois não entregaram a criança, por descobrirem que aquele filho fazia parte da vida delas.

Igualmente, é possível ter também dois pais. O pai genético, cuja identidade muitas vezes é desconhecida, é aquele que doa os espermatozóides. Uma doação de sêmen pode fecundar centenas de mulheres; portanto, o doador anônimo pode ter centenas de filhos espalhados pelo mundo. Esse doador quer ser protegido pelo segredo, que não é aceito em alguns países, pois, quando nasce uma criança doente, é preciso chegar ao pai para identificar corretamente a doença. Nos países em que não existe anonimato, as doações de sêmen já diminuíram muito.

A tudo isso podemos chamar dissolução da maternidade e da paternidade. Já não existem um pai e uma mãe, mas vários pais e várias mães, e o filho nunca descobrirá quais são seu pai e sua mãe de verdade.

A partir dessa situação desenvolveu-se um comércio. Não direi aqui quanto se paga aos biólogos e aos ginecologistas pela fecundação, pois é um tema muito grave. Mas posso dizer que há quem organize esse comércio e se proponha a encontrar óvulos de mulheres bonitas – altas, loiras, de tipo nórdico, por exemplo. Já se constituiu um banco de sêmen de Prêmios Nobel. Quando se aluga um útero, faz-se um contrato, e existe até uma agência intermediadora. A tudo isso chamamos comercialização do corpo humano.

E existe, enfim, uma outra técnica , ainda pior que todas as descritas até aqui: ela se chama clonagem. Na clonagem, não apenas não ocorre a fecundação natural, mas faltam também os dois gametas que trazem a herança genética do pai e da mãe. O que se doa é a célula de um único corpo, tomando o patrimônio genético de apenas um doador, que pode ser homem ou mulher.

Quando começa a vida humana

Neste momento, faz-se necessário passar à discussão antropológica. Em outras palavras, quais são os valores humanos que se põem em discussão quando se fala na procriação artificial.

O primeiro valor posto em discussão é a vida do embrião. O embrião, em quase todas as técnicas, está exposto ao risco de morrer. Como já disse, na fecundação extra-corpórea apenas 5% dos embriões permanecem vivos. Assim, várias questões se impõem: qual é o valor do embrião humano? Qual é o seu estatuto, a sua identidade humana? Ele é um ser humano ou qualquer outra coisa? Se é um ser humano, tem o mesmo valor de qualquer outro ser humano ou tem um valor menor? Todos sabem quais são as respostas da razão científica e da razão filosófica natural.

No momento da fecundação, no momento em que o espermatozóide entra no óvulo, cria-se um outro ser humano, com um patrimônio genético diferente daquele do pai e da mãe, que contém toda a força necessária para seu desenvolvimento sucessivo: todas as características corporais, o poder de construir as células de que precisa para seu desenvolvimento, o projeto segundo o qual poderá deslocar essas células e construir os órgãos, etc. E o processo acontece sem soluções de continuidade e sem soluções de qualidade, ou seja, é sempre o mesmo sujeito, o mesmo patrimônio genético e individualizado, desde a concepção até o nascimento.

Lembro-me de que há alguns anos, numa discussão no comitê nacional de bioética italiano, alguém quis fazer distinção entre embrião e pré-embrião. O pré-embrião seria o embrião antes de se instalar no corpo da mulher, antes de 14 dias, segunda o que foi sugerido pela comissão inglesa. E me lembro de que alguns membros do comitê disseram: “Tragam-nos os manuais de medicina usados nas faculdades do mundo inteiro e encontrem um em que se fale de pré-embrião, no qual se diga que, desde a concepção até o nascimento, não é o mesmo sujeito que se desenvolve”. No entanto, neste momento, há quem queira impor essa opção feita pela Comissão Warnock, da Inglaterra, uma escola utilitarista, como se costuma dizer. Essa Comissão diz claramente que não é possível fazer uma distinção entre o momento da fecundação e o resto da vida procriada, mas, mesmo assim, propõe que até o 14º dia o embrião seja considerado de valor inferior ao embrião com mais de 14 dias, e se chame pré-embrião. Quais são as razões dessa discriminação dos primeiros 14 dias? São três, mas nenhuma delas se sustenta do ponto de vista racional.

Alguns dizem que quando o embrião ainda não foi implantado no útero da mulher, e portanto não está sendo alimentado pela mãe, não há certeza de que possa prosseguir em seu desenvolvimento. É claro que uma criança recém-nascida que não é alimentada pela mãe morre. Mas não é a alimentação que produz a criança, portanto não é a implantação que faz do embrião um ser humano. A implantação faz com que o embrião cresça e se desenvolva. Nos primeiros dias, o embrião se alimenta daquilo que encontra no óvulo fecundado, e depois de implantado é alimentado pelo corpo da mulher. Mas já está ativo, já existe.

Outros dizem que até os 14 dias ainda não se formaram os sinais do que será o cérebro: enquanto não existem os fios neurológicos, não existe cérebro. Mas vocês sabem que o cérebro se desenvolve porque o embrião o faz desenvolver-se. O cérebro do feto não se desenvolve graças ao cérebro da mãe, mas a partir dos genes que estão dentro do embrião, desde o primeiro momento da fecundação.

Outros, enfim, dizem que o embrião, depois de implantado, pode vir a se dividir em dois: portanto, se pode se dividir em dois, ainda não temos certeza sobre sua identidade. Mas, na ocorrência de gêmeos, a divisão do embrião não destrói o primeiro embrião; separando-se, algumas células se tornam um outro embrião. O primeiro embrião continua o mesmo e o segundo embrião segue em seu desenvolvimento. Temos, então, o dobro de motivos para defendê-los, pois são dois embriões.

Essas três razões são razões instrumentais. O próprio relatório da Comissão Warnock diz isso, ao explicitar que quer favorecer a pesquisa com embriões, dando ao cientista a liberdade de manipulá-los.

Essa postura vai contra a humanidade, contra o direito dos embriões à vida. A Igreja, em seus documentos de 1987 e 1995, afirma que desde a fecundação o embrião é um ser humano, e como tal deve ser respeitado. A personalidade psicológica e social começa a ser criada depois do nascimento, mas a dignidade de pessoa existe desde quando começa a vida do ser humano. Devemos insistir sobre esse ponto de maneira decidida e firme, para que não comece a se impor a partir daqui uma discriminação entre os seres humanos.

Lutamos contra a discriminação entre brancos e negros, entre pobres e ricos, formas de discriminação que poderíamos chamar horizontais. Não podemos permitir que se imponha a discriminação vertical dentro do próprio ser humano. Cada um de nós, aqui presente, pode dizer: “Eu tinha desde o primeiro dia o mesmo valor que tenho hoje”. Ninguém pode eliminar esse uso da razão. E ao defender o embrião nós defendemos a humanidade presente em todos os homens e em todas as partes do desenvolvimento do ser humano.

Este primeiro dado antropológico significa, do ponto de vista ético, dizer não a todas as formas de fecundação que ponham em risco a vida do embrião.

Caráter pessoal da procriação

Mas há um outro valor antropológico posto em crise pela fecundação artificial, que é o valor do matrimônio e da família, ou, como disse antes, o valor da paternidade, da maternidade e da filiação. Quando a paternidade é de dois pais, ou a maternidade, de três mães, já não há um pai e uma mãe, o conceito de paternidade é destruído e está destinado a desaparecer. Um filho chamado à vida tem direito de ter um pai e uma mãe, de realizar seu desenvolvimento comparando-se e deparando-se com o pai e com a mãe e de ser educado e ter seu caminho facilitado na família e dentro do casamento. Foi a partir desse raciocínio que, na Itália, por exemplo, conseguimos proibir a fecundação assistida, ao menos a heteróloga. Na mesma lei italiana proibiu-se o congelamento de embriões, uma vez que a Constituição da Itália reconhece o direito à vida e o direito à família fundada no matrimônio. A lei italiana ainda não é perfeita, não é a lei que a Igreja gostaria de ter, mas é uma das mais rigorosas e, pelo menos, preserva alguns valores.

O terceiro valor posto em discussão por todas as formas de inseminação artificial, até mesmo pela homóloga, é o caráter pessoal da procriação e da geração. Gerar um filho não é uma ação técnica, é uma ação do pai e da mãe. É a união entre o esposo e a esposa, um dom da própria pessoa à outra pessoa que constitui a paternidade e a maternidade e faz com que nasça o filho, o dom que nasce do dom do amor do pai e da mãe. Essa é a verdadeira maternidade, a verdadeira paternidade, a verdadeira procriação. Não se pode delegar a paternidade a um técnico de laboratório ou a um comerciante de óvulos. A paternidade e a maternidade são atos pessoais, os mais pessoais que existem.

Nós, homens, podemos desenvolver três tipos de atividade. Existe um conjunto de atividades que ocorre em nós sem a nossa participação: são as atividades involuntárias do nosso organismo, como a nutrição, a circulação do sangue, a respiração. Não temos controle sobre elas, mas temos uma responsabilidade indireta, pois devemos conservar nossa vida saudável.

Outro tipo de atividade é aquele controlado por nossa vontade, que indicamos com os verbos construir, produzir, fazer. A humanidade desenvolveu objetos desde a idade da pedra lascada até a era dos aviões e naves espaciais, desenvolveu tecnologias que ampliam o sistema sensorial, a visão, a audição, as potencialidade do cérebro. Mas nenhum desses objetos, nenhum desses produtos, nenhuma dessas máquinas pode ser comparada à dignidade de um único sujeito. Um sujeito vale infinitamente mais do que todos os objetos que ele ou outro sujeito produziu.

Mas o homem tem a capacidade de realizar também outro tipo de atividade, uma atividade que vale muito, não porque constrói objetos, mas porque manifesta a vida do sujeito. Neste momento, falando, manifesto a mim mesmo e aos meus pensamentos. No dizer de Santo Agostinho, por meio da palavra um pedaço da minha alma passa do meu sujeito para o seu sujeito. As coisas mais maravilhosas da sociedade, a convivência, os amigos, o amor nascem da relação entre sujeitos e não com objetos.

A qual dessas atividades pertence a procriação? Dissemos que não é uma atividade apenas orgânica, como a alimentação ou a diálise renal; também não é apenas uma questão de bioquímica, nem a construção de um objeto – mesmo que, na procriação artificial, se queira produzir um sujeito humano como se fosse um objeto feito em laboratório.

O nascimento do sujeito filho é o resultado da doação de todo o sujeito mãe e de todo o sujeito pai. É dessa doação total que se gera a vida. Devemos aplicar aqui, de maneira analógica, as palavras do Credo. O filho não é feito, mas gerado, e é gerado pelo amor do pai e da mãe: essa é a única geração digna da criatura humana. Sem contar o fato de que, no momento da fecundação, também Deus – Pai, Filho e Espírito Santo – se compromete para dar alma ao ser novo que está começando sua vida. Deus Pai pensa para sempre – em seu pensamento, que é o Filho -, ama para sempre – em seu amor, que é o Espírito Santo -, pensa e ama para sempre a nova criatura, que, por ter uma alma espiritual doada por Deus, viverá para sempre.

Essa criatura que é chamada à vida, e a uma vida que durará para sempre, essa criatura que é dom de Deus e dom do pai e da mãe deverá ser defendida em seu direito a nascer dentro de um ato de amor. O filho que nasce de proveta não tem, ele mesmo, nenhuma culpa por isso. Tem direito a todo respeito e pode ser batizado como qualquer um de nós, se os pais o pedirem a partir da fé cristã depois de terem pedido perdão a Deus por tê-lo gerado de maneira errada. É o mesmo direito a serem batizados e alimentados que têm todos os filhos que nascem dentro de uma violência. Mas a maneira digna de ser gerado é ser gerado como fruto e sinal do amor paternal e maternal.

Dom Elio Sgreccia, bispo, é vice-presidente da Pontifícia Academia para a Vida, diretor do Centro de Bioética da Universidade Católica Sacro Cuore, de Roma, membro do Pontifício Conselho para a Família e do Comitê Nacional de Bioética da Itália. É autor do Manual de Bioética, em 2 volumes (São Paulo, Loyola, 1996-1997). 

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