O Magistério dos Papas e os mártires da Igreja de hoje

O sacrifício dos cristãos: uma realidade tragicamente atual, nas mais diversas condições históricas e em todas as partes do mundo. É uma constante no Magistério dos Papas ainda hoje no contexto do atual Sínodo para a Amazônia

Cidade do Vaticano

“As ideologias são armas perigosas para interpretar um povo” disse o Papa Francisco encaminhando os trabalhos do Sínodo especial para a Amazônia. Perigosas como armas, que possam sacrificar a realidade viva de um povo: a Amazônia e o seu povo correm o risco do martírio por causa da nossa falta de compreensão das suas autênticas realidades. O martírio se confirma cada vez mais atual, e no decorrer dos séculos foi alimentado por várias formas de poder: também o martírio contra os cristãos que ainda existe. No passado, jogavam os cristãos às feras no Coliseu para fazer espetáculos. Hoje, porém, no anonimato, no esquecimento, e muitas vezes quando estão rezando na igreja ou celebrando Missa: os cristãos ainda são vítimas do ódio e da perseguição, mas a disposição da alma é a mesma, ontem como hoje.

“Hoje há mais mártires na Igreja do que nos primeiros séculos” disse o Papa Francisco no Angelus de 23 de junho de 2013.

Os 147 estudantes quenianos trucidados no campus universitário de Garissa no Al-Shabaab; os 21 egípcios degolados na Líbia pelo Estado Islâmico, centenas de vítimas sem nome massacradas pelo Boko Haram na Nigéria, 22 fiéis mortos em Youhanabad no Paquistão enquanto rezavam na igreja. E muitos outros nomes. Padre Pino Puglisi, pároco italiano que lutava contra a máfia morto em 1993, Stanley Rother Missionário na Guatemala, morto em 1981, Oscar Romero, bispo de San Salvador morto durante a missa em 1980 e Maximiliano Kolbe que morreu no campo de concentração de Auschwitz em 1941, os Mártires da Coreia, sacrificados em 1866. Assim como a jovem mártir italiana Maria Goretti morta em 1902.

Pio XII

Diante da destruição da guerra, na sua radiomensagem na Solenidade dos santos Pedro e Paulo em 1941, Pio XII recordava o sacrifício cristãos dos séculos passados…

Dezenove séculos atrás, com o sangue glorioso do primeiro vigário de Cristo e do Doutor dos Gentios, a Roma dos Césares foi batizada Roma de Cristo, como eterno símbolo do Principado indefectível da Sacra Autoridade e do magistério infalível da fé da Igreja; e com aquele sangue foram escritas as primeiras páginas de uma nova e magnífica história: a das sagradas lutas e vitórias de Roma”.

Paulo VI

Por ocasião da inauguração dom Ano da Fé, no 19º centenário do martírio dos santos Pedro e Paulo, em 29 de junho de 1967 o Papa Paulo VI disse:

Pedro e Paulo foram os primeiros mestres da fé, e com as fadigas e sofrimentos do seu apostolado deram início à expansão, a primeira formulação, a sua primeira autenticidade; e para que não ficassem dúvidas sobre a certeza do novo, maravilhoso e duro ensinamento, seguindo o exemplo do Mestre e com Ele certos da vitória final, marcaram seu testemunho com o sangue. Deram seu sangue, com heróica simplicidade, para a nossa certeza, para a nossa unidade, para a nossa paz, para a nossa salvação. E fizeram isso para todos os chamados Irmãos, seguidores de Cristo, assim como, para toda a humanidade”.

Em 6 de outubro de 1969, ao beatificar os mártires da Coreia, Paulo VI deu uma definição atualíssima dos mártires:

Mártir: quem é mártir? O nome já é um elogio paradoxal. Dois elementos dão com eficácia extraordinária o significado: o testemunho e o sangue. Estes são os elementos da manifestação extraordinária de Deus na fé e na fortaleza de um seguidor de Cristo. O mártir escreve a sua fé com sangue. Proclama com seu sacrifício, que a verdade que ele possui e pela qual se deixa morrer, vale mais do que a sua vida temporal, porque a fé é a sua nova vida sobrenatural, presente e pela eternidade… O ‘Martirológio’ deveria voltar a ser um livro de moda na Igreja. E no presente caso a história destes beatos, assim como a dos grandes campeões do cristianismo nos ofereceria o interesse próprio das grandes aventuras, dos grandes heroísmos, dos grandes gestos, que transfiguram a grandiosidade de pessoas humildes e escondidas”.

Nos dias de hoje, a perseguição cruza-se com lutas políticas, tráficos ilegais de armas e de drogas, máfias, interpretações erradas de outras crenças, totalitarismos…

João Paulo II

Na solene comemoração dos mártires da fé do século XX, em 7 de maio de 2000 o Papa João Paulo II afirmava: 

A experiência dos mártires e das Testemunhas da Fé não é uma característica exclusivamente da Igreja dos primórdios, mas delineia todas as épocas da sua história. De resto, no século XX, talvez ainda mais do que no primeiro período do cristianismo, muitíssimos foram os que testemunharam a fé com sofrimentos não raro heróicos”.

 No Angelus de 28 de novembro de 1993, João Paulo II recordava o assassinato do mártir Dom Romero:

Hoje as Igrejas dos países da América Central celebram, por iniciativa dos Bispos, um Dia de Oração e de Penitência pela Paz. Para assim exprimir solidariedade com todos os irmãos da região que estão sofrendo, e em particular com as comunidades católicas. Infelizmente as vítimas da violência entre aqueles povos são dezenas de milhares entre elas o arcebispo, Dom Romero, muitos sacerdotes, religiosos e catequistas, há também, um grande número de pessoas detidas, desaparecidas e de refugiados. Aqueles povos desejam apenas a reconciliação e a paz. Foram encaminhadas algumas iniciativas de boa vontade, para cessar as lutas dentro e fora dos países e para instaurar o respeito dos direitos humanos para todos, incluindo a plena liberdade para a Igreja e a sua missão”.

Bento XVI

O martírio: um sinal sempre tragicamente atual de pertença à Igreja de Cristo. São muitos os perseguidos no mundo, muitos na indiferença e no esquecimento, todos dispostos a sacrificar a própria vida em nome de Cristo e do seu Evangelho. A este propósito Papa Bento XVI em 11 de agosto de 2010 disse.

Onde se fundamenta o martírio? A resposta é simples: na morte de Jesus, no seu sacrifício supremo de amor, consumido na Cruz, a fim de que nós pudéssemos ter vida (cf. Jo 10, 10). Cristo é o servo sofredor de que fala o profeta Isaías (cf. Is 52, 13-15), que se entregou a si mesmo em resgate por muitos (cf. Mt 20, 28)”.

Ainda na Audiência de agosto de 2010 Bento XVI dizia:

Quando lemos a vida dos mártires, ficamos admirados com a tranquilidade e a coragem com que eles enfrentaram o sofrimento e a morte: o poder de Deus manifesta-se plenamente na debilidade, na pobreza daquele que se confia a Ele e deposita a sua própria esperança unicamente n’Ele (cf. 2 Cor 12, 9). No entanto, é importante ressaltar o facto de que a graça de Deus não suprime nem sufoca a liberdade daqueles que enfrentam o martírio mas, ao contrário, enriquece-a e exalta-a: o mártir é uma pessoa sumamente livre, livre em relação ao poder e ao mundo; uma pessoa livre, que num único gesto definitivo entrega toda a sua vida a Deus, e num supremo gesto de fé, de esperança e de caridade, abandona-se nas mãos do seu Criador e Redentor; sacrifica a própria vida para ser associado de maneira total ao Sacrifício de Cristo na Cruz. Em síntese, o martírio é um grande gesto de amor, em resposta ao amor imenso de Deus”.

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