Um tapa na sociedade brasileira

Por Dante Donatelli
26/01/2006

 
Na última quarta-feira, dia 18, a Câmara dos Deputados em Brasília aprovou o projeto 2654/03 da deputada Maria do Rosário do PT/RS no qual acrescenta-se ao Estatuto da Criança e do Adolescente que os castigos, mesmo que moderados, são tratados como maus tratos, sendo seus agressores passíveis de encaminhamento psicológico ou psiquiátrico. Em outras palavras, o que o projeto chama de castigos moderados é o que conhecemos por palmada.
A simples palmada agora, se não está criminalizada, será alvo de fiscalização e repressão por parte do poder público. Gostaria, antes de mais nada, de ressaltar que sou terminantemente contra qualquer forma de maus tratos, e isto já está contemplado na lei brasileira. Sádicos que espancam e ferem seus filhos precisam e devem ser severamente punidos. É inaceitável agredir crianças e adolescentes ou qualquer outro ser humano. Porém, estamos tratando aqui daquela palmada desferida nas nádegas depois de um desatino infantil.
Ao tornar a palmada uma agressão digna de punição e, no limite, a sua criminalização, está-se atribuindo às crianças a condição de igualdade com os adultos. Admite-se que uma explicação clara e objetiva é capaz de convencer e fazer uma criança entender, por exemplo, que ela não deve largar de sua mão e atravessar a rua correndo. Não haveria espaço aqui para irmos mais adiante, mas o fato é que uma criança é uma criança exatamente por não ser um adulto e o que a distingue é estar em processo de aprendizagem e desenvolvimento. Assim, como as crianças não possuem noção temporal de longo prazo, não conseguem dimensionar cem anos ou cem dias, não é simples explicar e ser compreendido por elas sobre coisas do cotidiano. Todos aqueles que têm filhos, netos, sobrinhos e convivem com crianças sabem exatamente do que estou falando.
Os argumentos para que tal projeto fosse aprovado se sustentam em pesquisas “científicas” que atestam que a palmada é traumática e não educa as crianças. Se tais bases científicas fossem verdadeiras (devolvo ao leitor a pergunta que me acossa), seria minha mãe uma mulher sádica quando me deu aquelas palmadas quando me atirei no chão e exigi que ela comprasse um brinquedo para mim? Minha mãe não era ou é sádica, assim como suponho que os pais dos meus leitores também não o eram. Da mesma forma, eu não sou, assim como você leitor, um desequilibrado traumatizado por ter tomado umas palmadas na infância. Se as teses “científicas” fossem verdadeiras, teríamos gerações de desequilibrados e ou traumatizados, o que suponho não seja verdadeiro.
Os próximos projetos dos nossos diletos legisladores talvez sejam, quem sabe, proibir que falemos alto com nossos filhos, que usemos uma inflexão de voz denotando raiva ou pouco caso, ou nos proibir de castigar simbolicamente nossos filhos, quando os privamos de sair ou os mandamos para o quarto sem jantar. Por fim, quem sabe, o Estado possa fazer uma lei que ensine com regras claras e objetivas o que é amar os filhos, assim, todas as vezes que nos questionarmos sobre a nossa condição, paterna e materna, poderemos ler a tal lei e ver se somos amorosos, se amamos nossos filhos como o Estado estabeleceu.
É preciso lembrar aos nossos legisladores que a infância e a adolescência neste país precisam mais de outras ações de caráter humanizador do que desse absurdo projeto. Temos milhares de crianças e adolescentes desesperançados, largados nas ruas, sem família ou assistência pública; temos milhares de meninas que engravidam entre os 12 e os 17 anos; temos a sina de possuir ainda entre nós o trabalho e a exploração infantil; milhares de abortos clandestinos são feitos todos os anos em adolescentes; outro flagelo nacional, somos um dos paraísos do turismo sexual. Poderia aqui arrolar outros tantos problemas que qualquer cidadão que vive neste país sabe. São escândalos que mereceriam ações firmes do Estado, mas é mais fácil legislar sobre a vida do cidadão comum, inventando leis que afrontam a liberdade e o direito de se educar os filhos, agredindo os princípios elementares de uma vida republicana.
Queria poder ter elementos para entender tais medidas que não a constatação de um poder público decrépito, dono de um humanismo enviesado e torto. Nele a compreensão e o entendimento sobre os limites do Estado e da liberdade do cidadão parecem ainda obscuros, sendo mais fácil desferir tapas na maioria silenciosa a enquadrar a minoria indigna que nos governa.
Fonte: http://educacao.aol.com.br/colunistas/dante_donatelli/0044.adp

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