O mundo precisa do gênio feminino

DOM JAVIER ECHEVARRÍA

O dia 8 de março tem o seu referencial no passado, porque lembra a história dos esforços para superar a discriminação da mulher. Mas essa tarefa afeta também o presente e estende o olhar para o futuro: podemos imaginar o que acontecerá e quantos benefícios hão de ser alcançados quando a mulher estiver plenamente incorporada a todos os âmbitos da sociedade.

A discriminação da mulher não é apenas uma ofensa. É uma vergonha para o homem e um sério problema para o mundo

É preciso partir sempre do reconhecimento da igual dignidade entre homem e mulher. Desde o começo da Sagrada Escritura, é revelado que Deus criou o homem e a mulher como duas formas de ser pessoa, duas expressões de uma humanidade comum. A mulher é imagem de Deus, nem mais nem menos que o varão, e ambos estão chamados à identificação com Jesus Cristo, perfeito Deus e perfeito homem.

Com base nessas premissas essenciais da fé cristã, entende-se com especial profundidade a perversão que significa maltratar qualquer pessoa, homem ou mulher. Os maus-tratos assumem, por vezes, forma violenta, e, em outras ocasiões, modalidades sutis: comercializa-se brutalmente o corpo da mulher, considerando-a como coisa, e não como pessoa; ou, então, informam, de modo amável, mas insidioso, que a gravidez é incompatível com o seu contrato de trabalho. Ainda existem muitos motivos para recordarmos a necessidade de nos opormos a essas discriminações.

No Gênesis, há um segundo elemento fundamental: a diversidade. Pensemos, por exemplo, na família: pai e mãe desempenham papéis diferentes, igualmente necessários, mas não intercambiáveis. A responsabilidade é a mesma, mas o modo de participação é diferente.

Um dos problemas mais agudos e atuais da família é a crise da paternidade. O homem não pode ser considerado uma "segunda mãe" nem deve, por outro lado, desentender as responsabilidades do lar. Mas precisa aprender o que é ser pai. O mesmo se pode dizer da sociedade como um todo, na qual o homem e a mulher devem encontrar um lugar. O homem tem o direito de se desenvolver como homem, e a mulher, como mulher -sem dar espaço a mimetismos que produzem crises de identidade, complexos psicológicos e problemas sociais de grande transcendência.

O princípio da igualdade pode extrapolar-se e perder o equilíbrio quando se confunde igualdade (de dignidade, de direitos e de oportunidades) com dissolução da diversidade. Se a mulher se homogeneíza com o homem ou o homem com a mulher, os dois ficam desorientados e não sabem como se relacionar. O princípio da diferença também pode ser extrapolado, quando a distinção é usada para justificar a discriminação.

Nesse contexto, torna-se necessário considerar a virtude cristã da caridade, que Bento 16 quis situar no começo e no centro do pontificado. A caridade ajuda a harmonizar a igualdade e a diferença e convida à colaboração, já que ordena a relação com Deus e as relações de cada um com os demais. Com base na caridade, a igreja promove a comunhão, o respeito, a compreensão, a abertura à diversidade, a ajuda mútua, o serviço.

No começo do Gênesis, lemos que Deus, em sua bondade, confia ao homem e à mulher, juntos, a missão de cuidar do mundo. Esse empolgante projeto compartilhado ajuda a colocar no devido lugar a questão do relacionamento entre os sexos. Estamos ante um desafio positivo e aberto: os homens e as mulheres temos de trabalhar juntos, em prol de uma sociedade melhor, com idêntica responsabilidade, com contribuições adequadas ao gênio próprio de cada um. As qualidades masculinas e as femininas precisam umas das outras nessa tarefa coletiva, pois o bem comum somente se alcança mediante um trabalho conjunto. Assim, a discriminação da mulher não representa apenas uma ofensa para ela. Constitui também uma vergonha para o homem e um problema sério para o mundo.

A tarefa de cuidar juntos do mundo exige abandonar esquemas maniqueístas e tendências para o conflito. São necessárias atitudes de diálogo, cooperação, delicadeza, sensibilidade. O homem tem de exigir mais de si mesmo: escutar, compreender, ter paciência, pensar na pessoa. A mulher precisa compreender, ser paciente, aplicar-se a um diálogo construtivo, aproveitar a sua rica intuição.
Provavelmente, os dois deverão rejeitar os modelos propostos por alguns estereótipos dominantes: essas imagens que impelem o homem a competir com dureza ou que convidam a mulher a se comportar com frivolidade -ou com um penoso exibicionismo. Precisamos de uma nova maneira de pensar, uma nova maneira de olhar para os outros, que supere o domínio e a sedução. Assim, poderá surgir um novo cenário social, sem vencedores nem vencidos.

Na "Carta às Mulheres", João Paulo 2º diz que a contribuição da mulher é indispensável para "a elaboração de uma cultura capaz de conciliar razão e sentimento", bem como para "a edificação de estruturas econômicas e políticas mais ricas em humanidade". O gênio feminino, com a sua aptidão inata de conhecer, compreender e cuidar do próximo, deve estender a sua influência à família e à sociedade inteira.

São Josemaria Escrivá costumava recordar que, "perante Deus, nenhuma ocupação é por si mesma grande ou pequena. Tudo adquire o valor do amor com que se realiza". Quando descobrirmos que o importante é a pessoa, as discriminações terão seus dias contados. A fé cristã possui a capacidade de ser verdadeiro fermento para uma mudança cultural nesse terreno -se as mulheres e os homens soubermos encarná-la na vida cotidiana.

Dom Javier Echevarría, 72, doutor em direito civil e em direito canônico, consultor da Congregação para as Causas dos Santos e da Congregação para o Clero, é bispo prelado do Opus Dei.

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