Maria disse sim
Com base em dados alarmantes, segundo os quais o número de abortos clandestinos realizados no Brasil estaria em franco crescimento, ele defende que a questão da interrupção da gravidez é uma questão de saúde pública e, necessariamente, deveria receber maior atenção governamental e uma revisão da legislação a respeito do assunto.
Segundo a pesquisadora Ana Maria Costa, realizada em 2002 e abrangendo 95% dos municípios brasileiros, o número de abortos clandestinos seria da ordem de 1 milhão por ano, transformando-se na 3ª maior causa de morte materna do país e um custo aos cofres públicos de R$ 35 milhões, gastos nos atendimentos às complicações surgidas nos procedimentos malfeitos. Os nervos se acenderam e várias correntes se levantaram em defesa e em acusação ao ministro, tendo como base a proteção legal à vida, já consagrada na Constituição Federal de 1988 e no Código Penal. Contrários às determinações legais, os que apóiam a descriminalização entendem que o aborto é um direito da mulher e que a vida não começa na concepção, e sim com o desenvolvimento do sistema neurológico. Ferrenha crítica dessa posição, a Igreja, fincada nos princípios éticos e religiosos relegados a ela pela pessoa de Cristo, viu-se, mais uma vez, taxada de porta-voz do conservadorismo. Como já aconteceu em outros países, como no caso da Itália, a Igreja foi a campo defender a primazia da vida como valor absoluto, inalienável e indiscutível, e que deve, sim, ser albergado pela legislação, em confronto aos que relativizam o ser humano na sua dignidade toda especial.
Declarar que o destino dos fetos é um direito inviolável das mães é um absurdo, haja vista que a vida é dom doado por Deus a cada um de nós e não pode ser objeto da arbitrariedade de ninguém; é, portanto, direito de cada ser humano gozar da plenitude da existência por ser ela bênção de Deus pra a exaltação de Sua Graça. No entanto, a relação existente entre mãe e filho, usada aqui para a celebração da cultura de morte, deve ser, ao contrário, medida de valorização da vida. E é justamente por isso que a imagem que me vem à cabeça quando tocam na questão do aborto é a de Maria com seu filho divino nos braços.
Vejamos o que nos diz o Evangelho de Mateus: “No sexto mês, o anjo Gabriel foi enviado por Deus a uma cidade da Galiléia, chamada Nazaré, a uma virgem desposada com um homem que se chamava José, da casa de Davi e o nome da virgem era Maria. Entrando, o anjo disse-lhe: Ave, cheia de graça, o Senhor é contigo. Perturbou-se ela com estas palavras e pôs-se a pensar no que significaria semelhante saudação. O anjo disse-lhe: Não temas, Maria, pois encontraste graça diante de Deus. Eis que conceberás e darás à luz um filho, e lhe porás o nome de Jesus” (1, 26-31). Maria era e é a cheia de graça, não por nenhum mérito seu, mas por ser ela aquela que portou no próprio seio o Salvador do mundo. A graça de Deus inundou-lhe o seu coração e ela se viu absorvida em Sua Misericórdia. Era pobre, muito jovem, tinha a serena sabedoria das coisas de Deus e aguardava ansiosamente a libertação de seu povo. Escolhida desde toda a eternidade para a missão que devia realizar, ela foi concebida sem pecado, e permaneceria para sempre pura e imaculada para exaltar as obras de Deus realizadas por seu intermédio. São Luís Maria Grignon de Monfort nos diz, em seu Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem Maria: “Deus Pai ajuntou todas as águas e denominou-as mar; reuniu todas as suas graças e chamou-as Maria. Este grande Deus tem um tesouro, um depósito riquíssimo, onde encerrou tudo o que há de belo, brilhante, raro e precioso, até Seu próprio Filho; e este tesouro imenso é Maria, que o anjos chamam o tesouro do Senhor, e de cuja plenitude os homens se enriquecem”. Este tesouro encerrado em Maria é o próprio Jesus, o Verbo de Deus, que se faz homem para transfigurar a humanidade e resgatá-la de sua miséria. A graça da salvação dependia da aceitação de Maria, de que ela assumisse a missão que lhe estava resguardada – a missão de ser Mãe. Pela sua singeleza, não é difícil escolher Maria como exemplo de mulher, mas é necessário, para exaltar o dom da vida contra o qual se levantam discursos inflamados e uma ideologia que relativiza os valores absolutos dados por Deus, que se destaque o seu papel materno – mãe de Jesus, da Igreja, da humanidade inteira.
O Papa João Paulo II, na encíclica A Mãe do Redentor, ensina: “No mistério de Cristo, Maria está presente já ‘antes da criação do mundo’, como aquela que o Pai ‘escolheu’ para Mãe do seu filho na encarnação (…) Maria está unida a Cristo de um modo absolutamente especial e excepcional; e é amada neste ‘Filho muito amado’ desde toda a eternidade”. A dignidade de Maria repousa, principal e fundamentalmente, no seu papel de Mãe, haja vista que é acolhendo o dom da vida do filho que ela dá sua contribuição para a salvação do mundo e é colocada, a nosso favor, como medianeira de toda as graças que Cristo nos mereceu pela sua morte e ressurreição. Maria disse sim mesmo sem entender direito o desenrolar de toda a ação de Deus na sua vida; acolheu com fé e confiou em que Deus realizaria nela “maravilhas” (cf. Lc 1, 49).
E quanto à resposta de Maria? “Eis aqui a serva do Senhor. Faça-se em mim segundo a tua palavra” (Lc 1, 38). O “sim” de Maria nos permitiu contemplar as maravilhas de Jesus e a vida plena que ela nos alcançou pelo seu sacrifício. Maria exerceu (e exerce) plenamente o seu papel de Mãe, conduzindo-nos sempre no caminho da perfeição e da paz. Maria propiciou com seu “sim” a vinda de Jesus ao mundo e deu sua contribuição indelével para a nossa salvação. Ela deve ser, por causa disso, parâmetro para que tantas e tantas jovens mães, agraciadas com o dom da maternidade (em quaisquer circunstâncias, frise-se), possam, também elas, dar o “sim” à vida que carregam em seu seio, preferindo lutar para que seus filhos tenham uma vida digna a exigir que eles sejam extirpados de seus ventres. Que nós possamos pedir à Cheia de Graças, juntamente com o inesquecível Papa Wojtila ao final de seu Evangelho da Vida, que ela possa fazer “com que todos aqueles que crêem no vosso (seu) Filho saibam anunciar com desassombro e amor aos homens do nosso tempo o Evangelho da vida”.
BIBLIOGRAFIA
SEGATTO, Cristiane. Aborto: sim ou não?. Revista Época. São Paulo: Ed. Globo, n. 465, 19 abr. 2007, p. 82.
JOÃO PAULO II, Papa. A mãe do redentor. São Paulo: Paulinas, 2003.
MONFORT, São Luís Maria Grignon de. Tratado da verdadeira devoção à Santíssima Virgem. Petrópolis: Vozes, 2003.
Alessandro Lima. Apostolado Veritatis Splendor: Evangelium Vitae . Disponível em: http://www.veritatis.com.br/article/3692. Desde 20/6/2001.