Pornocultura – infância espancada

CARLOS ALBERTO DI FRANCO, O ESTADO DE S.PAULO EM 14/03/2005
 

A gravidez precoce é hoje no Brasil a maior causa da evasão escolar entre garotas de 15 a 17 anos. Dados da Unesco mostram que, das jovens dessa faixa etária que abandonaram os estudos, 25% alegaram a gravidez como motivo. Outro estudo, do Ministério da Saúde, revela que complicações decorrentes da gestação e do parto são a terceira causa de morte entre as adolescentes, atrás apenas de acidentes de trânsito e homicídios. A gravidez precoce afeta até quem mal saiu da infância: de 2001 a 2003, nasceram 82 mil bebês cujas mães tinham de 10 a 14 anos.

Os dados, publicados em matéria do jornal O Globo, constam de três pesquisas em fase de conclusão. Uma é do Ministério da Saúde: o Saúde Brasil 2005, segunda versão do mapeamento do setor produzido anualmente pelo governo federal. Outras duas são da Unesco: Juventudes Brasileiras e Juventude e Sexualidade – esta última foi lançada na segunda-feira, 7 de março, em solenidade no Ministério da Saúde. ‘A gravidez realmente está se tornando um grande problema na educação’, afirmou Miriam Abramoway, professora da Universidade Católica de Brasília e vice-coordenadora do Observatório Violência nas Escolas-Brasil, em entrevista ao jornal O Globo. ‘Se 25% das meninas de 15 a 17 anos grávidas deixam a escola, isso significa dizer que 254 mil param anualmente de estudar. E 2%, ou seja, outras 20 mil, abandonam os estudos para casar’ , concluiu a pesquisadora.

O quadro, preocupante, poderá levar, mais uma vez, aos diagnósticos superficiais e, por isso, míopes: investir mais dinheiro público em campanhas em favor do chamado ‘sexo seguro’.

A camisinha será a panacéia para conter a epidemia. Continuaremos padecendo da síndrome do avestruz. Bateremos nos efeitos, mas fugiremos das verdadeiras causas: a hipersexualização da sociedade.

Há seis anos, o prefeito de São Paulo, José Serra, então ministro da Saúde do governo FHC, que já comprou uma briga com a apresentadora de TV Xuxa Meneghel, foi curto e grosso ao analisar as principais causas da gravidez precoce: ‘É um absurdo acreditar que a criança vá ter maturidade para ter um filho com essa idade. Pregar a abstinência sexual de meninas de 11 a 14 anos não significa ser careta, mas responsável.’ O ex-ministro responsabilizou a programação das TVs, considerando absurdas as cenas de sexo. ‘Já morei em dez países e em nenhum deles vi tanta exploração de sexo’, enfatizou Serra. A preocupação do então ministro, cuja trajetória pessoal e política não combina com histerias conservadoras, era compreensível e lógica. Apoiava-se, afinal, no bom senso e na força dos fatos.

De lá para cá, infelizmente, as coisas não melhoraram.

A culpa, no entanto, não é só da TV, que freqüentemente apresenta bons programas. É de todos nós – governantes, formadores de opinião e pais de família -, que, num exercício de anticidadania, aceitamos que o País seja definido mundo afora como o paraíso do sexo fácil, barato, descartável. É triste, para não dizer trágico, ver o Brasil ser citado como um oásis excitante para os turistas que querem satisfazer suas taras e fantasias sexuais com crianças e adolescentes. Reportagens denunciando redes de prostituição infantil, algumas promovidas com o conhecimento ou até mesmo com a participação de autoridades públicas, que crescem à sombra da impunidade.

O governo, assustado com o crescimento da gravidez precoce e com o crescente descaso dos usuários da camisinha, pretende investir pesadamente nas campanhas em defesa do preservativo. A estratégia não funciona. Afinal, milhões de reais já foram gastos num inglório combate aos efeitos. O resultado está gritando nas pesquisas mencionadas neste artigo. A raiz do problema, independentemente da irritação que eu possa despertar em certas falanges politicamente corretas, está na onda de baixaria e vulgaridade que tomou conta do ambiente nacional. Hoje, diariamente, na televisão, nos outdoors, nas mensagens publicitárias, o sexo foi guindado à condição de produto de primeira necessidade.

Atualmente, graças ao impacto da TV, qualquer criança sabe mais sobre sexo, violência e aberrações do que qualquer adulto de um passado não tão remoto. Não é preciso ser psicólogo para que se possam prever as distorções afetivas, psíquicas e emocionais dessa perversa iniciação precoce. Com o apoio das próprias mães, fascinadas com a perspectiva de um bom cachê, inúmeras crianças estão sendo prematuramente condenadas a uma vida ‘adulta’ e sórdida. Promovidas a modelos, e privadas da infância, elas estão se comportando, vestindo, consumindo e falando como adultos.

A inocência infantil está sendo impiedosamente banida. Por isso, a multiplicação de descobertas de redes de pedofilia não deve surpreender ninguém. Tratase, na verdade, das conseqüências criminosas da escalada de erotização infantil promovida por alguns setores do negócio do entretenimento.

As campanhas de prevenção da aids e da gravidez precoce batem de frente com inúmeras novelas e programas de auditório que fazem da exaltação do sexo bizarro uma alavanca de audiência. A iniciação sexual precoce, o abuso sexual e a prostituição infantil são, de fato, o resultado da cultura da promiscuidade que está aí. Sem nenhum moralismo, creio que chegou a hora de dar nome aos bois, de repensar o setor de entretenimento e de investir em programação de qualidade.

O Brasil, não obstante suas dramáticas chagas sociais, é uma nação emergente. É, sem dúvida, bom de samba. Mas é muito mais que o país do gingado e do carnaval. (Carlos Alberto Di Franco, diretor do Master em Jornalismo, professor de Ética da Comunicação e representante da Faculdade de Comunicação da Universidade de Navarra no Brasil)

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