O “Mistério” do Opus Dei (2)

O Opus Dei (que significa “Obra de Deus”) é um dos chamados “novos movimentos” que hoje conferem vitalidade à Igreja. Foi fundado na Espanha, em 1928, por São Josemaría Escrivá, com a finalidade de estimular em seus membros uma autêntica e séria vivência da fé cristã, em busca da santidade à qual todos nós somos chamados. Seus membros são leigos, porque o fundador desejava enfatizar que a santidade é para todos e que o Evangelho pode ser vivido em qualquer ambiente, no exercício das mais diversas funções profissionais e na vida familiar.
            O Opus Dei oferece a seus membros – de forma aberta a qualquer interessado – uma constante e profunda formação cristã doutrinal e moral, além de incentivar neles a oração, a participação nos sacramentos (missa diária e confissão freqüente) e o sacrifício, promovendo o fortalecimento da vontade e a imitação de Jesus Cristo mediante pequenas renúncias, esmolas, jejum ou outras mortificações.
            Juridicamente incorporada à Igreja Católica sob a forma de “prelazia pessoal” (que tem à frente um Prelado), a obra congrega pessoas que se identificam pelo objetivo comum, sem limites de ordem geográfica – ou seja, todos continuam vinculados às dioceses onde têm o seu domicílio.
            Quanto à forma de vinculação, distinguem-se três categorias (sem contar os padres que se dedicam à obra ou dela recebem formação, e os muitos simpatizantes e/ou colaboradores que não se tornam membros):
1) Supernumerários: são leigos casados, que se esforçam por viver o amor humano e a vocação familiar como caminho de santificação. No âmbito da família e na sociedade, procuram dar testemunho de fidelidade ao compromisso matrimonial, abertura generosa à vida, dedicação e seriedade na educação dos filhos. É a categoria a qual pertence a grande maioria dos membros do Opus Dei.
            2) Numerários: são leigos (homens e mulheres) vocacionados ao celibato. Como os religiosos, comprometem-se com as virtudes da pobreza, castidade e obediência, mas não são religiosos porque sua vocação específica é viver a santidade e dar testemunho do Evangelho nos ambientes leigos: sociais, culturais, educacionais, profissionais. Vivem em comunidade, em casas da Obra, e dedicam-se ao apostolado e à formação dos demais membros. É a categoria à qual pertenciam os ex-membros que escreveram o livro “Opus Dei – os bastidores”.
            3) Adscritos: são celibatários, mas não vivem em comunidade, por razões diversas (não podem ou não se adaptam).
            Como um dos críticos comentou que essa classificação “soa enigmática para os não iniciados”, não custa esclarecer que esses eram nomes em uso, na Espanha, para os membros de clubes ou associações, na época da fundação do Opus Dei.
            Em todas as categorias, a adesão definitiva é feita depois de um processo que dura seis anos, havendo portanto um tempo de experiência longo o bastante para testar a autenticidade e firmeza da vocação. O processo começa por um pedido de admissão (através de carta ao Prelado), a qual só é concedida seis meses depois, caso a pessoa persista na vocação. Um ano depois é feita a “oblação” (compromisso temporário), renovada anualmente por 5 anos. Depois disso, então, acontece a “fidelidade” ou incorporação definitiva.
            O compromisso nasce de uma escolha livre e madura do caminho que consideramos melhor para nossa vida. Mas é claro que todo compromisso implica responsabilidades, direitos e deveres, como acontece, por exemplo, no casamento. Ninguém é obrigado a casar-se, mas, se decide fazê-lo, deve conhecer e aceitar livremente, tanto as recompensas quanto as obrigações que essa escolha implica. Se alguém deseja aprender uma língua estrangeira, graduar-se num curso universitário, dominar um instrumento musical ou tornar-se um atleta olímpico, naturalmente será “obrigado” a participar das aulas e praticar bastante, para chegar ao objetivo desejado. Ninguém considerará, porém, tais “obrigações” como uma escravidão, e sim, ao contrário, como um  privilégio, uma oportunidade de crescimento. E, se um dia nos sentirmos incapazes de continuar trilhando o caminho livremente escolhido, ninguém nos impedirá de voltar atrás em nossa decisão, embora toda ruptura (como toda escolha) tenha conseqüências, que precisamos igualmente assumir.
            O mesmo acontece em relação ao compromisso com a fé cristã. Certamente ninguém é obrigado a santificar-se, mas, quem descobre a pérola preciosa e percebe o seu valor, precisa dispor-se a “vender tudo o que tem” para adquirí-la… (Mt 13,44-46). Tal renúncia, porém, é feita não apenas livremente, mas até com entusiasmo, porque quem escolhe esse caminho sabe que não se trata de uma perda, mas, ao contrário, de lucro, de um pequeno preço por tão grande prêmio. Caso esse “prêmio” não nos atraia, ninguém nos obrigará a investir nele, como foi o caso do jovem rico… (Mc 10,17-22).
É preciso que fique claro que não há, no Opus Dei, qualquer tipo de pressão psicológica ou manipulação mental. Se houvesse, seria uma contradição, pois o objetivo da Obra é a santificação de seus membros, e ninguém se santifica a não ser correspondendo livremente, pela própria vontade, à graça de Deus.
            Mas, se a resposta de cada um é livre, isso não nos dispensa do compromisso de anunciar a todos o Evangelho, como ordenou Jesus (Mc 16,15), para que as pessoas possam ter a oportunidade de escolher. A oração divulgada pela CNBB para este tempo do Advento convida exatamente a pedir que Deus “nos envie como anunciadores, para que o Evangelho continue penetrando na vida das pessoas e transformando a sociedade”.
Quem ama quer a felicidade do ser amado, e por isso procura mostrar-lhe o caminho que a ela conduz. Foi por amor que Jesus veio “armar sua tenda entre nós”, para ensinar-nos o caminho do céu… que ele mesmo abriu com o dom total de si mesmo. Se esse caminho passa pela cruz e pela renúncia a si mesmo, e se a porta do céu é estreita, será que isso tira o valor do céu? Ou nos dá o direito de duvidar do amor de Deus? Será que podemos dizer que Jesus veio “aliciar-nos”, “manipular-nos” ou “enganar-nos”, por querer que participemos de sua bem-aventurança?
            Como o Pai enviou Jesus, Jesus também nos envia (Jo 20,21) a “anunciar o Evangelho e fazer que todas as nações se tornem discípulos”. Quem recebeu o talento, tem a obrigação de trabalhar com ele… Apesar disso, os autores do livro “Opus Dei – os bastidores” referem-se ao trabalho apostólico realizado pela obra como “aliciamento de menores”, como se fosse um abuso criminoso da “inexperiência” dos adolescentes, porque “é muito mais fácil doutrinar uma personalidade em formação”…
            É verdade. Como diz o ditado popular, “é de pequeno que se torce o pepino”. Aqui, porém, acontece novamente uma distorção, porque a verdadeira questão não está no fato de querer influenciar alguém. Isso é normal, faz parte de qualquer processo educacional. Ninguém nasce pronto, todos nós somos fruto das influências que recebemos. O que irá tornar esse processo bom ou mau é o tipo de influência exercida, e o objetivo com que o fazemos…
            Os médicos sabem que “é melhor prevenir do que remediar”. E qualquer pai ou mãe sabe que mais vale formar e corrigir os filhos enquanto são pequenos e “influenciáveis”, do que tentar recuperá-los depois que se perderam na vida. Será que um pai poderá ser acusado de “aproveitar-se da inexperiência” de seu filho quando o aconselha a ficar longe das drogas ou da bebida, ou a dedicar-se com seriedade aos estudos? Não precisamos tomar veneno para saber que ele faz mal… porque podemos e devemos tirar partido da experiência de outros. Isso é educar.
            Se ensinar aos adolescentes o caminho do bem, se procurar incentivar neles os bons princípios e preservá-los das más influências é “aliciamento”, então o que seria amor? O que seria educação? Acaso a enxurrada de pornografia, erotismo e violência, o incentivo ao consumismo e a todos os tipos de vícios e desordens que a televisão e a imprensa despejam, diariamente, sobre as nossas crianças e adolescentes?  Se o apostolado do Opus Dei é aliciamento, tudo isso o é muito mais, porque influencia com igual ou maior intensidade, com a diferença de que não faz bem nenhum…
            Isso nos remete à questão da liberdade, que é inegavelmente um bem e um direito, mas que, desprovida de orientação, torna-se uma escravidão e um equívoco, porque destrói nas pessoas a capacidade crítica, o discernimento para perceber o que é bom e o que é mau.
É um conceito distorcido de liberdade que leva alguns a considerar como “manipulação mental” o fato de se recomendar a leitura de alguns livros e desaconselhar outros, como acontece na formação dos membros do Opus Dei. Quem assim fala não percebe que está, por sua vez, negando aos “acusados” a “liberdade” de agir segundo os seus princípios e defender sua visão de vida…
Mesmo sem ser membro do Opus Dei, sempre considerei minha obrigação, como mãe, alertar meus filhos quanto ao risco do contato com livros, revistas, filmes, ambientes ou qualquer outra coisa que pudesse, de alguma forma, ameaçar o desenvolvimento saudável e equilibrado de suas personalidades. O fato de que “todo mundo faz” ou de que “é a realidade de hoje” nunca me pareceu argumento suficiente para conferir validade ou utilidade a determinada experiência ou linha de pensamento. O que é a realidade de alguém, mesmo que seja da maioria, não precisa necessariamente ser a minha. Se não estou de acordo com a realidade que me cerca, posso e devo trabalhar para que exista outra diferente. Jesus e os apóstolos não tinham medo de dizer: “Guardai-vos destas coisas”…
Não se trata de repressão ou de imposição arbitrária, mas de orientação, simplesmente. Ninguém é privado da liberdade de decisão sobre os rumos da sua vida, mas todos têm o direito de receber uma orientação sadia. Ninguém até hoje provou que o fato de “experimentar tudo” aumente as chances de realização pessoal…
Continuaremos ainda falando desse assunto.
                                                                                                                 (novembro/2005)

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