O “Mistério” do Opus Dei (3)

Como eu dizia no primeiro artigo desta série, são três as principais acusações levantadas contra o “Opus Dei” pela matéria da revista Época: “autoflagelação, manipulação mental e estratégias de poder”.
            O terceiro item é o mais fácil de contestar. Embora seja o único que extrapola o âmbito da influência individual ou restrita aos membros da instituição – ou talvez por isso mesmo – basta um exame um pouco mais atento para constatar o quanto essa acusação é vazia e inconsistente. Ninguém explica que “poder” seria esse que o Opus Dei busca. A própria entrevistadora pergunta: “Poder para quê?” E o entrevistado não encontra nada melhor para responder do que: “Poder em si” (existe isso?). E, para exemplificar, cita as iniciativas tomadas para captar a simpatia do Papa João Paulo II, por ocasião de sua primeira visita ao Brasil. Resta explicar onde está o problema em querer agradar ao Papa, coisa que o Brasil inteiro fez nessa ocasião, e não apenas o Opus Dei. Nada mais natural e justo que uma instituição da Igreja considere importante estar em boas relações com o seu pastor supremo… E, de qualquer forma, só os muito ingênuos acreditariam que algumas manifestações populares poderiam influir de forma decisiva na aprovação oficial da Prelazia por parte do Vaticano. Se a Igreja se guiasse por critérios tão superficiais, não estaria de pé até hoje, e com a influência que tem, apesar de manter-se firme em suas posições, sem abrir mão do Evangelho em troca de popularidade.
            As insinuações de envolvimento político não procedem. O editor da revista “Entrelivros” diz que o fundador do Opus Dei “tinha boas relações com a ditadura franquista, da qual se aproveitou para infiltrar simpatizantes no aparelho do Estado”, mas a verdade é que a Obra não assume, nem incentiva nenhum direcionamento político, embora não impeça seus membros de atuarem na política, se sentirem em si a vocação para isso. Muitos o fazem, estando presentes tanto na “esquerda” quanto na “direita”, segundo suas inclinações pessoais. Mas estão ali como pessoas, como cristãos, falando e agindo em seu próprio nome, e não em nome da Obra. Evidentemente, um político cristão que se assume como tal não defenderá posições contrárias aos ensinamentos da Igreja… Mas ele assim agirá por fidelidade às suas convicções pessoais, e não por imposição da Igreja. Oxalá houvesse mais cristãos com essa coragem, e todas as “instâncias de poder” pudessem realmente ser “ocupadas” por uma maioria de cristãos autênticos… Isso resolveria os problemas de corrupção e tantos outros que enfrentamos hoje. E não é isso que todos nós queremos?
            Se, na Espanha, o clero em geral se colocou a favor do regime franquista, assim como muitos leigos católicos, isso se deve simplesmente ao fato de que o regime republicano anterior perseguia ferozmente a Igreja. Nada mais natural, para quem preza a fé cristã, do que opor-se a um tal regime…
            Igualmente inconsistentes são as acusações referentes ao aspecto financeiro, ou seja, o fato de os membros doarem à Obra parte de seus bens. Afinal, todo mundo sabe que nenhuma atividade se sustenta sem dinheiro, que tem que vir de algum lugar. Cada um investe naquilo que considera importante, e, em se tratando de pessoas que procuram viver os conselhos evangélicos (que condenam o apego excessivo aos bens materiais), é natural que tais pessoas considerem mais importante investir na evangelização, na educação e outras formas de promoção humana do que em lucros ilícitos ou em luxuosos e supérfluos bens de consumo…
            Diante da declaração emitida pelo Escritório de Informações do Opus Dei, lamentando a “grotesca deturpação (feita pelo livro) da realidade vivida nesta instituição querida e abençoada pela Igreja Católica, que sempre contou com o manifesto apreço e estímulo dos papas que a conheceram”,  Jean Lauand (um dos autores de “Opus Dei – os bastidores”) diz que a instituição “usa a Igreja como um escudo para se proteger das denúncias”. Pode ser, mas não custa lembrar que se trata de um “escudo” legítimo e válido… já que o Opus Dei tem sido, realmente, abençoado por todos os Papas, desde Pio XII. Para quem tem fé e confia na Igreja, esse é um argumento que não pode deixar de ser levado em conta, apenas porque alguns descontentes resolvem aproveitar um momento propício para divulgar a sua visão ou o seu sentimento particular.
Quando li a matéria de “Época”, uma questão me ficou na cabeça: o que levaria uma pessoa que, por tantos anos, identificou-se com a proposta do Opus Dei, a adotar de repente essa postura de amarga acusação? Se a adesão é voluntária e livre o tempo todo, não bastaria que a pessoa se desligasse quando a identificação deixa de existir, sem precisar, por isso, sentir-se lesada ou denunciar, como uma ameaça à sociedade, uma opção de vida que continua fazendo tanto bem à Igreja e sendo plenamente aceita e aprovada pela grande maioria de seus membros?
            Um membro numerário do Opus Dei, a quem consultei em busca de dados para estes artigos, ajudou-me a encontrar a resposta, fazendo uma analogia com os casais que se separam: muitas vezes, o ressentimento acumulado faz com que os ex-cônjuges formem uma imagem negativa um do outro, sentindo-se como vítimas e exagerando os defeitos do outro, sem perceber suas próprias falhas e culpas. A pessoa assim ferida pode não estar mentindo, pode estar expressando seus reais sentimentos, mas o fato é que a sua percepção, distorcida pelo ressentimento, torna-se incapaz de avaliar corretamente a realidade. Se formos ouvir o outro lado, certamente teremos uma versão bem diferente…
            Da mesma forma, pode haver no Opus Dei (como há em toda parte) pessoas desajustadas ou emocionalmente frágeis, que por algum motivo deixam de adaptar-se ao espírito da Obra, e então, dominadas pelo ressentimento, sentem-se pressionadas, sem perceber que a “pressão” vem, na verdade, de sua própria consciência. É arbitrário culpar a Obra por tais desajustes, pois nada prova que essas pessoas não teriam os mesmos problemas, caso não fossem membros do Opus Dei. E, ainda que o Opus Dei fosse a causa, a inadaptação de alguns não justifica que se condene a instituição como tal, assim como não se justifica condenar a instituição familiar apenas porque nem todas as famílias são bem ajustadas. Para uma avaliação justa do Opus Dei seria preciso levar em consideração, igualmente, a grande maioria de membros satisfeitos e realizados com o caminho que escolheram… sem esquecer também que, entre aqueles que se afastam por ter deixado de identificar-se com a Obra, a grande maioria o faz sem guardar mágoas, e sem deixar de reconhecer-lhe o valor.
            Como já foi dito, a principal questão não está naquilo que se faz, e sim no “por que” se faz. É a meta que confere sentido à caminhada, e, se perdemos de vista a meta ou deixamos de valorizá-la, já não teremos motivação para enfrentar os obstáculos do caminho…
            Também vimos que não é só o caminho do céu que exige renúncias ou disciplina. Achei curioso notar que, na matéria da revista Época, a página imediatamente anterior traz a descrição de um novo modelo de barco, desenvolvido para uma competição ao redor do mundo ao longo de oito meses, durante os quais “os tripulantes dormem em média cinco horas por dia amarrados a beliches estreitos”. E ninguém parece escandalizar-se diante de uma tal tortura ou de outras semelhantes…
            Se há gente capaz de pagar 10 milhões de euros por um barco desses e de aceitar alegremente um tal regime – assim como os exaustivos treinamentos e espartanos regimes exigidos de um atleta olímpico ou de uma top model – por que estranhar que outras pessoas se disponham a praticar outros tipos de esforço e de renúncias, a fim de conquistar uma “coroa” que, para eles, vale infinitamente mais? (1 Cor 9,25)                                        (dezembro/2005)

 

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